Clássicos • 05 Fev 2016
Clássicos • 26 Dez 1996
Rover P6 – O Charme Discreto da Burguesia
A Rover nunca se caracterizou por fabricar veículos populares, preferindo produzir automóveis sóbrios, mas distintos, cujas reais capacidades não pudessem ser apreciadas fora do seu habitáculo. A série P6 foi inovadora no seio da marca, mas não conseguiu alterar a tradição. Diz quem sabe que ainda bem…
Os primeiros veículos fabricados pela Rover não eram automóveis, mas bicicletas e triciclos. Na altura – a Rover iniciou a sua actividade em 1888 – não eram muitos os fabricantes de automóveis. A marca britânica engrossou aquele número em 1904. O primeiro automóvel Rover foi o 8hp, com um motor de dois cilindros, que se destacava dos modelos de outras marcas, ao possuir componentes em alumínio, nomeadamente no chassis. O modelo que lhe sucedeu, o 6hp, era mais convencional, como o eram também o 10/12eo 16/20, estes com motor de quatro cilindros. O 16/20 participou em competições, vencendo em 1907 a corrida do Tourist Trophy. Apesar de algumas incursões no fabrico de veículos mais luxuosos, e uma ou outra tentativa de apresentar modelos com características revolucionárias – como o Scarab, com motor traseiro – antes da segunda guerra mundial, já a marca havia concentrado os seus esforços na manutenção de uma imagem de «classe-média». Depois da guerra (e por causa dela), a Rover mudou a localização da sua fábrica, de Birmingham para Solihul.
Os Rover P3, P4 e P5
Os antecessores do Rover P6 foram muito importantes para a reputação e imagem que os responsáveis da marca acharam por bem cultivar. O Rover P3 surgiu em 1948. Era uma berlina de quatro portas, equipada.com motores de quatro e seis cilindros. Não eram particularmente bonitos. e tinham umas linhas algo pesadas. Mas as suas qualidades residiam noutra área: a da fiabilidade e robustez. Estas características transitaram para a série seguinte. O Rover P4 lançado um ano depois, diferia pouco do P3. Os primeiros modelos tinham, no entanto, uma característica curiosa: no centro da grelha existia um terceiro farol.
Este facto valeu-lhes o epíteto de «Cyclops» (ciclopes). Por razões de segurança – segundo opiniões da época, o farol extra confundia os outros utilizadores da estrada – foi abandonado. No entanto, apesar desta contrariedade, esta série foi muito bem sucedida, mantendo-se em produção até 1964, e as alterações, exceptuando alguns aumentos de potência, foram muito poucas. O Rover P5 tinha como alvo um público diferente. Era dirigido àqueles que queriam o conforto de um Rolls Royce ou Bentley, mas não abdicavam da discrição e sobriedade. O P5 estava equipado com um motor de seis ou oito cilindros, e o seu habitáculo, tipicamente inglês, era revestido a pele e madeira. Foi em 1963, antes da apresentação do novo 2000 (o primeiro da série P6).
Um Conceito de Vanguarda
Nos anos 60. o mundo iniciava uma série de mudanças profundas. Foi nesse contexto que o novo Rover P6 surgiu. A equipa que o concebeu era formada por Spen King, Robert Boyle, e um jovem e talentoso estilista. David Bashe. O novo Rover inovava na utilização de um chassis monobloco, a que todos OS componentes mecânicos e de carroçaria eram aparafusados. Neste aspecto, era muito semelhante ao método utilizado pela Citroen na construção do DS. A verdade é que a Rover já experimentara estas técnicas antes do aparecimento do revolucionário automóvel francês. Foi também o primeiro automóvel inglês a ser concebido tendo em vista a utilização de pneus radiais. O motor era também completamente novo, o que aliado à nova suspensão – sistema De Dion nas rodas traseiras e molas helicoidais horizontais na frente – e ao novo sistema de travagem, com discos às quatro rodas, faziam do Rover 2000 SC um automóvel completamente novo.
Do ponto de vista estético, o P6 era também completamente diferente dos modelos anteriores da marca. Tinha uma frente agressiva, quase desportiva, mas era, ao mesmo tempo, muito elegante e sóbrio. A Rover procurava atrair clientes mais jovens, seduzidos pelas linhas distintas do novo modelo, mas que não abdicassem de um automóvel moderno e dinâmico, que traduzisse as suas ambições. No entanto, nem tudo foi perfeito, já que para manter preços competitivos, dando ao modelo performances de acordo com o seu aspecto, houve que fazer concessões, nomeadamente no motor. Muitos clientes tradicionais da marca não perdoaram ao novo modelo uma certa falta de suavidade, característica dos modelos seis cilindros da marca.
Por outro lado, os clientes que procuravam um modelo com prestações mais desportivas, também ficaram desiludidos com a falta de potência do 2000 SC. O facto de ter apenas um carburador – daí a sua designação SC (Single Carburattor) – debitando uma potência pouco superior a cem cavalos, não lhe permitia ser tão rápido quanto a sua «allure» poderia fazer pensar. Todavia, o 2000 SC conseguiu impor-se nalgumas provas de resistência. nomeadamente no Rali dos Alpes, na edição de 1965, ficando em terceiro lugar da geral, e primeiro da respectiva classe. Esta prova era disputada em condições bastante duras – mais de três mil e quinhentos quilómetros através de difíceis estradas de montanha.
TC, Automático e V8
Para responder aos problemas referidos, a Rover resolveu lançar um modelo mais potente. Assim, em 1976, no Salão de Genebra, foi apresentado o Rover 2000 TC – com dois carburadores (Twin Carburattor). Diferia do 2000 SC apenas por ter mais um carburador, mas na verdade, as diferenças eram consideráveis; o 2000 TC debitava 115 cv às 5500 гр. Era consideravelmente mais rápido que o SC, mas era também menos suave do que este último. Todavia, como a Rover estava mais interessada nos novos clientes, esta situação não preocupou demasiado os responsáveis da marca, até porque o novo modelo agradou bastante aos jornalistas e ao público. Ao mesmo tempo, foi proposta a caixa automática, como opção, no menos potente dos P6. A escolha recaiu sobre «fiel» Borg Warner, com três velocidades, que se revelou perfeitamente adequada ao temperamento mais calmo do SC.
A Rover obtinha assim um compromisso bastante razoável, agradando a «gregos e troianos», sem fazer muita despesa. No entanto, o director da Rover na altura. William Martin-Hurst, numa viagem aos Estados Unidos, trouxe consigo um motor V8 Buick, todo em alumínio, com 3.5 litros de cilindrada. O palpite, de que caberia debaixo do capot do Rover P6, estava certo. Após algumas negociações com a General Motors, chegaram a acordo quanto à utilização dos motores pela Rover. Com 160 CV, apesar de só existir uma versão com caixa automática, o Rover V8 3500 era um verdadeiro «Gentleman Express», permitindo manter médias bastante elevadas, praticamente sem esforço da mecânica. Além disso, a suspensão bem equilibrada não só se adequava a uma condução mais desportiva, como também não prejudicava o conforto dos passageiros. Novamente a Rover voltava a agradar a todos, mas desta vez com um só automóvel.
Foram fabricadas versões adaptadas às normas de segurança em vigor nos Estados Unidos, mas não foram bem sucedidas. A década de setenta trouxe algumas alterações para a série P6 da Rover. A partir do final de 1971, foi introduzida a versão manual do V8 3500, o 35005. Com a introdução deste modelo surgiram algumas alterações a nível estético: a grelha cromada foi substituída por outra de plástico, um friso cromado passou a ornamentar os flancos, e, em algumas versões. o tejadilho passou a estar revestido a vinil. Dois anos depois foi introduzida a versão 2200 do SC. O aumento da capacidade do motor visava, essencialmente, a obtenção de um melhor binário, permitindo maior suavidade que o 2000. A série P6 da Rover fabricou-se até 1977, quando foi substituída pela série SD1 – Specialist Division n°1 – mas essa é outra história…
Ao Volante do Rover P6
Durante o breve contacto que tivemos com o Rover 2000 TC, que ilustra o Dossier deste mês, pudemos comprovar a sua qualidade de construção, o conforto do habitáculo, e algumas características da sua condução. O Rover é um automóvel robusto e bem construído. No seu interior encontramos napa de boa qualidade a revestir os bancos; o tablier, em plástico negro, é bonito e funcional. A posição de condução é bastante alta, permitindo uma óptima visibilidade, a que não são, certamente, alheios os estreitos pilares da carroçaria. A habitabilidade. principalmente para os passageiros do banco de trás não é famosa, até porque o formato dos bancos não permite que um terceiro passageiro viaje confortavelmente.
O volante, de baquelite, é muito agradável ao toque, e o seu grande diâmetro facilita as manobras a baixa velocidade. O painel de instrumentos é muito completo, com velocímetro horizontal ao centro, tendo do lado direito a indicação do nível de combustível, e do lado esquerdo o termómetro da água. No centro do tablier encontra-se o relógio, e um grande conta-rotações. A manete da caixa de velocidades «cai» bem na mão, e o seu curso e altura reduzidos fazem-nos pensar que nos encontramos num desportivo, e não numa berlina familiar. A verdade é que o TC é bem mais «nervoso» do que parece… Mal nos pomos em marcha ouvimos o «ronronar» do motor, a pedir estrada livre, para poder mostrar todas as suas capacidades. A suspensão é muito confortável e segura, embora o TC tenha tendência a adornar nas curvas mais apertadas. Como apreciação global, o Rover é um automóvel moderno, consentâneo com uma utilização quotidiana. É de salientar que o exemplar que experimentámos se encontrava em perfeito estado de funcionamento, dando quase a sensação de se tratar de um automóvel novo.
Comprar um P6
Como já foi dito, estes automóveis eram avançados para a sua época, o que lhes permite obter prestações semelhantes aos automóveis actuais. Como tal, é possível utilizá-los no dia-a-dia, ao contrário de alguns automóveis clássicos. Já tivemos a oportunidade de referir algumas vezes que, em grande parte dos automóveis antigos, principalmente aqueles que não têm grande valor comercial, o mais importante antes da compra, é certificar-se de que não existe corrosão. Para além disto. é necessário ter em conta que um automóvel bem construído é mais caro de reconstruir.
O nosso conselho é que compre o melhor que encontrar, porque caso contrário, arrisca-se a gastar na sua recuperação mais do que o automóvel vale. Um Rover 2000 para restaurar totalmente pode valer entre cem ou duzentos contos, e um em óptimo estado vale no máximo 1400/1500 contos. Mas é provável que não compense optar pela primeira hipótese. Quanto ao Rover V83500, em princípio a primeira série é mais valorizada, mas também aqui o mais importante é o estado em que ele se encontra. Os exemplares em perfeito estado podem valer mais de 1500 contos, no nosso mercado. Quanto à componente mecânica, praticamente todas as peças estão disponíveis, até porque os motores utilizados nesta série serviram de base para motores que ainda hoje se fabricam.