Renault 4CV - O

Automobilia 26 Dez 1996

Renault 4CV – O “Joaninha” Fez 50 Anos

Celebra-se este ano o 50° Aniversário do lançamento do Renault 4CV, primeiro modelo contruído no pós-guerra pela então recente Régie Nationale des Usines Renault, “herdeira” do vasto AE-21-50 império industrial de Louis Renault, pioneiro da indústria automóvel francesa e mundial, desde 1898. Em Portugal, o 4CV ficou conhecido carinhosamente pelo “Joaninha”

O nascimento deste pequeno modelo, concebido por Fernand Picard e Edmond Serre, conheceu algumas grandes peripécias. A primeira delas foi a de ter sido planeado e construído em total segredo, ainda em plena II Grande Guerra, às escondidas do invasor alemão e do próprio patrão Louis Renault. Edmond Serre amigo colaborador de Louis Renault, ventila-lhe o projecto, mas recebe um peremptório “não” e fica a saber que Renault deseja desenvolver o Juva e Prima-quatre para o pós-guerra e nada mais.

O Projecto

Não desistindo da ideia, os dois homens, passam às discussões académicas de como será o automóvel que servirá a França do pós-guerra. Pontos assentes: 4 CV fiscais, donde um motor inferior a 760cc; 4 lugares; 2 portas; peso até 450kg; comprimento até 3,70m para poder beneficiar das tarifas mais reduzidas dos regulamentos das garagens; velocidade de 80km/h; caixa de 4 velocidades, que se calcula onerosa, mas necessária para atingir a velocidade proposta. Outro ponto bastante debatido foi a colocação do motor. A primeira hipótese a ser retirada foi a da colocação frontal com tracção traseira por ser demasiadamente clássica. A seguir retirou-se a solução de um “tudo à frente”. por ser mais caro, e principalmente, pela série de desvantagens à tracção frontal, enumeradas pela Renault, após os desaires que se conheceram na fábrica Citroën.

A solução do “tudo atrás”, adoptada na Alemanha, por Ferdinand Porsche, é finalmente decidida por Edmond Serre. Passou-se à fase de fabrico. Será difícil, hoje, imaginar as dificuldades que Ricarde Serre passaram, para fabricar uma maquete dentro de uma fábrica sem poder contar com um único fornecedor, nem poderem revelar o segredo. Louis Renault veio a tomar conhecimento do projecto, não se opondo 20 seu desenvolvimento clandestino, quando descobriu a maquete do motor. Secretamente, em Setembro de 1943, o protótipo foi testado na presença do patrão, tendo este vetado, sem apelo nem agravo, o pequeno 4CV.

No entanto e apesar do “chumbo”, alguns irredutíveis continuam a trabalhar e avançam para um segundo protótipo. Além de Serre e Picard, ficam para a história do 4CV, os nomes de Barthaud, responsável pela carroçaria e Riolfo. Após a perseguição política a Louis Renault, acusado de “colaboracionismo” com o inimigo durante o conflito com a Alemanha, preso e maltratado, acaba por morrer, em 1944 e em condições algo misteriosas. As fábricas são nacionalizadas, e Pierre Lefaucheux, nomeado Presidente Director Geral, seria o verdadeiro padrinho do 4CV ao acreditar e pegar de novo no projecto.

O Nascimento

Em Outubro de 1946, o novo Renault 4CV é apresentado ao público no l° Salão de Paris (e do Mundo) do pós-guerra. Olhado com suspeita logo foi alcunhado, pelos mais cépticos, de “motte de beurre” (“matacão de manteiga”), devido não sóà sua forma arredondada, mas também à cor inicial única, que não era senão, ao que dizem, forma rou em stock da tinta amarelada que equipava os veículos militares alemães do Afrika Korps. Mas depois da suspeita veio a revelação, e a França foi motorizada pelo 4CV, a par do Citröen 2CV. dois dos modelos mais fiáveis e baratos no mercado da época. Como seria natural o Renault 4CV, sem ser excepção, também teve problemas de juventude, nomeadamente quando partia um semi-eixo e saltava uma roda, partia os apoios dos amortecedores e se mostrava sensível ao vento lateral quando em marcha.

Estes defeitos foram solucionados, exceptuando o último, a “tenue de route”, que embora bastante melhorada, perdurou com maior ou menor intensidade, até ao fim dos modelos Renault do “tudo atrás”, iniciados.com o 4CV. O Renault 4CV, cumpriu o fim a que se propôs, ajudando a motorizar uma França (e não só), fazendo milhões de quilómetros por todo o mundo, quer como meio de transporte diário, passeios ou férias, com os seus modelos Normal. Luxe. Grand Luxe, Affaires e Sport, quer na labuta diária com o Commerciale, sem vidros nas portas traseiras e 200Kg de carga útil. Foi também utilizado como táxi, principalmente nas colónias francesas de então, e ainda como automóvel de intervenção rápida da Polícia Parisiense. Foi sem dúvida um dos veículos mais populares da sua época, virando mais uma página da História do Automóvel, conjuntamente com outros filhos da guerra, como o Volkswagen e o Minor.

As Transformações

Em França – não havendo permissão nem dinheiro para o desenvolvimento de automóveis de competição – não era estranho verem-se modelos anteriores à guerra envolvidos em competições automóveis. Assim, os preparadores não tiveram outra opção que não fosse “mexer” no material novo existente. E nesta situação o 4CV foi imbatível; tudo foi criado para melhorar o aspecto, o conforto ou as performances, sendo vastíssimo o número de acessórios disponíveis: pequenos frisos, pára-choques. falsas grelhas, faróis, farolins, palas exteriores contra o Sol, isqueiros, cinzeiros, rádios, bancos recostáveis, reboques, malas de viagem à medida da bagageira, párabrisas basculantes, chauffages, desembaciadores, jantes cromadas, de raios…

A própria Renault, através da sua associada SAPRAR (Société Anonime Pour la Reparation des Automobiles Renault), também contribuiu para esta coleção de “quinquilharia” Os transformadores também foram muitos e, desde a promessa de mais 5 ou 6 cavalos, com a simples mudança dos colectores de admissão/escape e da troca do carburador por outro de maiores dimensões), ora aplicando um colector Nardi (ao que consta caríssimo e sem o rendimento prometido) onde se utilizavam dois carburadores iguais ao original (Solex 22), quando não apareciam transformadores que reformulavam por completo o pequeno motor de 748 cc, aplicando cabeças, árvore de câmes, pistons, bielas, cambotas especiais que aumentavam em muito a potência ao 4CV.

Houve inclusive, uma transformação que incluía um compressor volumétrico e uma outra, que utilizava uma cabeça cross-flow com câmaras de combustão hemisféricas, dupla árvore de câmes à cabeça e alimentado por dois carburadores duplos horizontais. Chegou ahaver um projecto, de um tal Serge de Blicquy, de um 4CV a turbina!

A Competição

Porém, a mais realista e famosa transformação foi executada pela própria Renault, criando o celebérrimo modelo 1063. Pierre Lefaucheux “reforma” François Landon das corridas convidando-o para dirigir a equipa desportiva da Renault. Este, vai manter a cilindrada, que em 1950 já tinha sido reduzida de 760 para 748cc com ofito de competir, agora a sério, na classe até 750cc, reformulando todo o motor, donde se aproveitaria unicamente o bloco em ferro fundido, e assim conseguir quase dobrar a potência. Além do motor eram alteradas as suspensões, com quatro amortecedores traseiros, a direcção passava a ser mais directa e os travões eram de maiores dimensões. As caixas de velocidades também tinham opção: a de 3 velocidades iguais às de série, a YDRAL ou SAPRAR de 4 velocidades e a CLAUDE de 5 velocidades (o preço desta equivalia a um 1062 a estrear).

E com tudo isto havia pilotos que, tal como Rosier, Michy, Galtier, Condrillier, Michel, Estager, Féret, Sandt ou Rédélé entre outros, com certeza bem corajosos, garantiam velocidades próximas dos 160 Km/h. Não se imagina hoje opalmarés desportivo invejável conquistado, mesmo contra outros “animais” bem mais possantes: eles chamavam-se Mercedes, Ford. Ferrari, Jaguar, Porsche, etc.. Nas classificações gerais estava normalmente bem classificado (primeiro da geral em várias classificações conhecidas), e não era estranho ver uma boa meia dúzia deles nos dez primeiros lugares. Mas, quanto à classe a que pertencia era imbatível. Dos ralis às pistas, de Monte Carlo ou Mille Miglia às 24 Horas de Le Mans (1° vez que o nome Renault é inscrito nas memórias desta prova, com uma vitória da classe à média de 98,6 Km/h.; em 1952, e a média de 111Km/h, é 1° no índice energético) tudo ganhou na sua classe.

Os Especiais

Com base no 4CV, foram construídas séries limitadas de veículos com carroçarias especiais, mais ou menos luxuosas, como o Autobleu de Ghia, os cabriolets Mouette e Racing de Chapron ou o Brissoneau de Rosier, o Découvrable da própria Renault, Pichon-Parat, Duriez, Motto entre outros, ou mesmo bizarras como o Vutotal super envidracado de Labourdette ou o Splendilux da firma Esclasson. Muitos foram os que não quiseram deixar de colocar a sua assinatura no que se tornou o mais popular e carismático automóvel da Renault. Outros houve que se dedicaram à criação de variadíssimos protótipos para provas de velocidade ou ralis.

Nestes, contam-se os protótipos de Pierre Ferry, os VP de Verne el Pairard, os DB de René Bonnet além dos que foram construídos por particulares mais anónimos como Zink. Bizeray, Cognet, Colucci, Garzinsky, Pascal, etc, mas de todos sobressai o nome Alpine, que com o seu A106 (A para Alpine e 106 para os trés primeiros algarismos dos motores Renault 1062 e 1063 que os equipavam) criado por Jean Rédélé, com carroçaria em fibra, de Michellotie Allemano, seria o início de uma outra epopeia no mundo desportivo, que chegou à consagração de Campeão Mundial de Rallis em 1973 com o A110. Este ainda transportou uma característica do 4CV: a distância entre eixos, hereditária, mantinha-se inalterada.

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