Arquivos • 10 Out 2012
Arquivos • 26 Dez 1996
Paris, 50 Anos Depois
Seguindo uma tradição de vários anos, Bernard e Phillipe compraram os bilhetes para o Salão de Paris 1996. Depois de terem dado uma volta a comentar os modelos expostos, enquanto o filho ia ao pavilhão 8 dar uma olhadela às armas e bagagens de James Bond, Bernard esgueirou-se até ao outro pavilhão onde estavam os modelos mais antigos; ficou ali, a olhar, quase com o respeito de quem entra num santuário mas com uma expressão sorridente, a recordar cada metro do “stand” da Renault, onde conhecera a sua “mais que tudo”, a companheira de uma vida.
Lá estava tudo, tal e qual como em 1946… O 4 CV de boa memória, grande novidade do salão, modelo que acabaria por comprar – e só ele sabia com quanto sacrifício – mas que lhe deu tempos tão bons, incluindo uma lua de mel através da Europa, cheia de aventuras… Ainda chegou a entrar num “rallve” com ele, mas descobriu que tinha mais veia de espectador e “fã” dos automóveis do que de piloto. Que seria feito desse carro?… E por ali andou, num mundo muito especial, muito seu, entre as boas recordações. Naquele ano, o Salão de Paris recebera mais de um milhão de visitantes, até porque era novidade – não havia um salão desde 1938 e a guerra tinha deixado as suas marcas. Lembrava-se bem do seu pai comentar que as novidades não eram assim tantas, havia muitos carros apenas “rejuvenescidos”, dos seus comentários ao facto do Renault4 CV ter motor atrás e a bagageira na frente… “Bizarre!”, como o simpático velhote costumava dizer. E o seu grande amigo Jeannot grande admirador das tecnologias, a fazer comparações entre as antigas tendências e as novas – válvulas à cabeça?!
Preferências da Juventude
Passeou, demorando muito tempo junto a cada carro, com as recordações a emergir. L estavam todos os intervenientes da sua juventude – o Renault Juvaquatre, o Dyna Panhard. que Jeannot compraria mais tarde, os Peugeot! Como era apaixonado por aquela 202 Canadienne, soberba com os seus painéis em madeira, coisa que os colegas não entendiam porque a preferência, entre os Peugeot, ia para o 202 descapotável, que sempre dava um ar de “bon vivant” e tornava um simples estudante numa imagem de artista de cinema… muito embora bom mesmo fosse um Delahaye, mas o preço… Regressou junto dos Panhard; curioso, aquele modelo chamado Dynamic, que tinha sido montado durante a guerra e terminado depois, acabando por ser mais um projecto que ficou por ali, sem avançar.
Eh, eh…que confronto entre os pequenos modelos, como o Rovin, com motor monocilíndrico montado atrás e apenas um farol, e os grandes, como o Hotchkiss ou o Talbot Lago! Recordava-se bem de ouvir falar neste senhor, António Lago, que, como veneziano de gema, nunca abdicara da nacionalidade italiana. Morrera em 1960 com 68 anos, dedicando-se aos carros de competição quando veio para França, depois de ter sido fundamental em Inglaterra, não só nos automóveis como nos motores de aviões, chegando a ser administrador-delegado da Sunbeam.
Um Mar de Recordações
Continuou a andar. Os grandes americanos também não faltavam – belo, aquele Matford apresentado nesse ano, como que Jeannot considerava “essa coisa fabulosa”, o motor Ford V8… ou o Buick, aquele… havia que confirmar… isso, 51 S! Ah, se Jeannota inda fosse vivo… como ficaria contente a reviver aquele Bugatti de 1939, cujo motor se dizia ter atingido cerca de 500 HP no banco de ensaios. Jean-Pierre Wimille levou-o à vitória numa corrida disputada no Bosque de Bolonha, nesse ano de 1946. É verdade… que teria acontecido ao projecto dos carroçadores Faget-Varnet, que iam construir um carro desenhado por Wimille – e que ostentaria o seu nome – no princípio da década de 50?.. E que diria Jeannot daqueles motores Bugatti expostos, concebidos durante a guerra – o protótipo baptizado de Type 68B tinha 370 cc… soa a estranho, quando da nossa boca sai a palavra Bugatti! Não… vejamos mais de perto… exemplar único, montado num protótipo em 1942, duas árvores de cames à cabeça, quatro cilindros em linha, quatro válvulas por cilindro…
“Quoi”? 12.100 rotações por minuto conseguidas com o auxílio de um compressor!… Já soa mais a Bugatti! “Papa, tu viens?” – o chamamento ao seu lado – nem dera pela aproximação do filho – acordou-o desse imenso e intenso mar de recordações, sem saber quanto tempo vagueou por ali. Sentiu-se outro, como que mais leve e, conversando sobre os motores actuais e a existência das 16 válvulas em projectos de 1942, acompanhou o filho ao pavilhão cinco, para ver os Fórmula 1, o Dodge Viper, o Mercedes do ITC, enfim, um mundo onde o seu filho Phillipe se sentia bem mais à vontade, com o entusiasmo a chamar a atenção para este ou aquele pormenor. Curioso, pensou Bernard, como, agora e ali, alguns passos permitiram percorrer meio século de evolução automóvel – e de recordações…