Arquivos 22 Nov 1996

“Mestre” Raimundo – um Negócio Familiar

Mem Martins e as suas ruas para cá e ruas para lá. Nuns lados o sossego, noutros nem por isso. Quase no fim daquela rua, duas portas largas amarelas quase não indicam a garagem que queremos – que até já está aberta há cerca de 20 anos! Temos sorte – “mestre” Raimundo lá anda, a “bricolar” nos clássicos.

Eis um negócio verdadeiramente familiar: “A casa é minha e do meu irmão, mas estou aqui apenas entretido, não trabalho ao público. Quando saí da GM, foi para parar por completo!” Raimundo ainda é do tempo em que havia “mestres” – Jaime Rodrigues, Eduardo, da Aurora, e mais alguns, os grandes, que sabiam muito – os mestres, como “mestre” Raimundo. 27 anos na General Motors, como chefe de oficina e sempre ligado à competição.

“Esta malta tem-me desafiado e estou por aqui; o meu sobrinho é que está a arranjar o do Segurado, mas vou estando por aqui, aos fins de semana, agora entretenho-me a preparar o Anglia… mas reparar carros, a trabalhar propriamente dito, isso não.” Mas já fez muito e tem muito ainda por fazer… “O último carro que fiz foi o Lotus de Rui Bevilacqua, que fiz todo de princípio ao fim, mas depois parei… agora quero é arranjar os meus – tenho um Escort, aqueles dois Opel, um Ascona e outro Kadett – quero arranjar os meus para ficarem para colecção… Quando me apetece venho até cá, quando não me apetece não venho…”.

Na Base da Amizade

Alto! Então, se um cliente quiser preparar um carro, “mestre” Raimundo não faz? “Não… Vou aturando estes “malandros” porque é na base da amizade, por sermos vizinhos e nos conhecermos há muitos anos. Já vieram ter comigo e disse que não fazia… São sessenta e tal anos…já chega!” Foi aqui que Artur, irmão de Raimundo, começou: “Estava na GM e ia ajudando no que podia, ele foi evoluindo, depois com o filho e o genro.

O meu irmão esteve na Fiat e depois na General Motors, agora arranja todo o tipo de carros e tem todo otipo de clientes, alguns desde os primeiros tempos” mudaram de casa e de vida, mas continuam a vir até ao ambiente familiar – ou a oficina não se chamasse Auto Artur Jorge & Filhos… “Mas não tem nada a ver comodo futebol!”- diz, com uma risada, “mano” Artur Jorge dos Santos. “Aqui faz-se todo o tipo de trabalho de mecânica e electricidade” – nada de bate-chapa e pintura. Para além do filho Carlos Jorge Henrique dos Santos e do genro João Manuel Gonçalves da Silva ainda está para entrar um quarto elemento – “mas não tem nada a ver com a família”.

A Clientela é Fiel

Como se disse, a clientela é fiel: “Tenho clientes há 20 anos, que têm confiança naquilo que fazemos. É como quando vamos a um médico e passamos a ir sempre ao mesmo…” Para além das reparações habituais, não só nos Opel, por uma questão de conhecimentos antigos da clientela, mas em todo o tipo de carros – até uma Ford Transit estava a ser tratada da saúde por estes “médicos de família” – há o prazer de se encontrar por lá “mestre” Raimundo, que adora dar dois dedos de conversa. Recordamos os tempos antigos, da época do Team Tofa GM. do departamento de competição…

“Pertenci à parte técnica, que tinha a seu cargo as oficinas – onde era o chefe – e a parte desportiva, onde estivemos aqueles anos todos de competição, onde fazíamos tudo; tínhamos uma parte e pessoal exclusivamente para a competição.. depois a GM acabou com isso e aos poucos foi acabando com as oficinas.” Como ele diz, a “malta” antiga começou a vir embora, a negociar o contrato, e foi assim que “mestre” Raimundo também veio, com reforma antecipada. Mas ainda vai matar saudades… “Ainda esta semana lá estive!” Vou até lá almoçar com a rapaziada..”.

Recordações da Europa

Quando foi para a General Motors, Raimundo nunca tinha trabalhado em competição. “Mas mandaram-me à Opel, à Suécia, fui aprendendo e conhecendo este e aquele.. depois, têm condições que aqui não temos, é sempre material novo e o melhor, depois são as pessoas que trabalham com eles, que sabem o que fazem – e temos sempre possibilidades de aprender com eles!”. Tudo oque era Opel, de competição, passava pelas suas mãos: “Desde a Marie-Claude Beumont, Henry Greder, Jean Ragnotti, até ao Walter Rohrl, dei assistência a essa gente toda… Andersson e os outros succos… mas a Opel deixou de vir – e em Portugal a associação dos concessionários deixou de contribuir e aos poucos foi acabando tudo. Os últimos que passaram pela GM foram o Carlos Peres e o “Mégêpê”. Anteriormente tinham passado Gomes Pereira, Rogério Beatriz, o António Martorell, Conde do Botelho…c todos os que aceleraram em Opel Joaquim Moutinho, Santinho Mendes, António Diegues, Paulo Lemos… passaram todos por nós..” Feitios…

“Todos têm. Temos que saber lidar com eles como eles têm que saber lidar connosco… e temos que os saber desculpar nas alturas em que chegam todos eufóricos e mais esquisitos… antigamente era mais difícil – hoje em dia as assistências têm tempo para tudo, para comer e dormir.. antigamente fazia-se um “TAP” ou uma Volta a Portugal sem tempo para nada, era sempre de noite, as assistências iam ao hotel apenas para lavar a cara e pouco mais. Hoje em dia as coisas substituem-se, enquanto dantes tínhamos que fazer muita coisa.. ” – sempre a capacidade maquegáivérística dos portugueses para inventar…

… E de Portugal

E sai uma história: Numa Volta a Portugal, o Manel (“Mcgèpê*), no troço dos “Lençóis S. Pedro*, deu uma pancada e partiu a suspensão, quando ia na frente do rali, o segundo era Mário Silva. No jantar, toda a gente começou aos pulos, contentes por passarem para a frente, que o Manel perdia a Volta. Eu só disse – o último a rir é quem ri melhor… Ele tinha dado 20 minutos para desmancharmos a suspensão, porque se saía do troço dos Lençóis S. Pedro e entrava-se no troço de Ponte de Lima; e o Manel, quando ninguém contava que aparecesse, conseguiu recuperar na ligação e chegou no tempo dele a Ponte de Lima.. e foi ganhar essa Volta!” Manuel Oueirós Pereira deixou grandes saudades no “mestre”. “Respeitava muito todos nós, nunca o vi chegar, mesmo que um azar com o carro se viesse a verificar ter sido por culpa de um mecânico – às vezes acontece – nunca dizia que a culpa era deste ou daquele…”.

Agora, os Clássicos

Regressamos à rapaziada dos Clássicos. O carro que lhe deu mais trabalho foi o Lotus Elan, que Rui Bevilacqua utilizou no ano passado: “Fiz o carro de ponta a ponta. Deu muito gozo a fazer – tinha dito ao Rui que não fazia o motor, que já não tinha paciência… ele comprou o motor, mas infelizmente teve azar… o motor vinha partido e tive mesmo que o fazer… O carro veio para aqui, estava na sucata há não sei quantos anos e gostei muito de o fazer, é um carro engraçadíssimo de se trabalhar… mas foi o último que fiz. Agora o Segurado vem por aí, uma coisa faz ele, outras faz o meu sobrinho e outras faço eu – e agora é o Anglia, que o Camilo me pediu para montar e é mais uma pachorrice… juntamo-nos aqui ao sábado, vamos almoçar, voltamos mais um bocadinho… sem pressas!…

E depois quero ver se vou arranjar os meus!” Para além do Opel Kadett 1900 Rallye, Raimundo quer fazer um Grupo 1 e tem mais um para fazer um Grupo 2 – “Para ficar, s- por prazer, depois a minha filha que faça o que quiser deles!” Apesar da conversa, do Rogério pendurado por todo o lado com a câmara fotográfica na busca do melhor enquadramento e das risadas misturadas com a as histórias e recordações, a oficina continua a mexer, mas não tarda muito para que se lavem as mãos, que a sagrada hora do almoço está para chegar. Para um entrecosto – e mais histórias!… São ou não são, no verdadeiro sentido da palavra, histórias de garagem ?!…

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