Automobilia • 29 Jan 2014
Automobilia • 22 Nov 1996
Carpinteiro Albino – A Paciência de Chinês
José Eduardo Carpinteiro Albino. É alentejano, mas podia ser chinês, tal a paciência para resolver os mais complicados problemas, como se pode ver em todas as miniaturas que povoam as suas vitrinas. É cá dos meus; precisa de descomprimir entre o trabalho e o ambiente seguinte – naquele fim de tarde, começamos por trocar umas palavras de circunstância na sala, qual câmara de descompressão, antes da conversa propriamente dita.
Pouco depois, passamos para o que alguns chamariam de “santuário”, outros de “cantinho”, mas prefiro chamar de refúgio – é ali que se passam muitas horas, longe de tudo e de todos, de volta dos modelos, num mundo muito particular. Neste caso, no mundo muito especial de Carpinteiro Albino, que começa nas vitrinas que nos rodeiam e termina na pequena porta que, depois de aberta, mostra um armário embutido na parede, com todo o equipamento necessário à montagem… a própria porta, ao descer, faz de bancada! E a amena cavaqueira apenas tem um problema – o olho, sempre a querer fugir para os modelos expostos…
Escala 1/24 – A Preferida
“Comecei a fazer miniaturas antes de 1960… quando fui para a tropa já tinha uma colecção – aí uns 10 modelos; o primeiro foio Jaguar D… ou uma fórmula desses. o Vanwall ou Mercedes…. dessa colecção, da Merit, que está aí toda.”. A escala favorita é a 1/24 e não há modelos comprados do tipo “pronto a expor”: “Tudo que está aqui são modelos para montar. Os que deram mais prazer?… Estes da escala 1/8, da Porsche. -..” Que demoram cerca de 100 horas da paciência de Carpinteiro Albino para construir, requerendo algumas modificações, muito embora os da Porsche iá tragam quase tudo – “No que respeita ao aperfeiçoamento, os que dão mais trabalho são os da escala 1/24, em que um fio de vela é um aramezinho, o interior de um fio eléctrico.” É que Carpinteiro Albino não se limita a comprar o kit e montar, como mandam as instruções. Por vezes há muito trabalho a fazer, para rectificar as próprias bases, havendo ainda muito trabalho de aperfeiçoamento na aplicação dos tais fios de vela, por exemplo.
E todos eles têm problemas, sem excepção. “A Tamiya, que é considerada das melhores, basta ver este modelo do carro de Graham Hill, por exemplo; reparando bem na parte de trás do kit no que foi feito, dá para ver muitas diferenças – até os escapes são outros…” Os elementos certos, Carpinteiro Albino vai buscá-los a livros e revistas, num arquivo particular bem interessante… À nossa volta estão 464 modelos construídos, havendo mais alguns em fase de entrada na “linha de montagem”… sem um tema específico e com grande variedade: “Está aqui a Fórmula 1 quase toda, desde o início. Depois há a parte desportiva e os clássicos – mas bem clássicos, de antes da guerra…” É quase possível fazer aqui uma história jo automóvel muito completa a começar no Cugnot a vapor, depois o Daimler-Benz… sempre são 100 anos de evolução e vamos por aí fora…
Os Favoritos
Os modelos favoritos são os clássicos desportivos e um Mercedes W196, por exemplo, dá mais “gozo” a montar do que um fórmula 1 actual – “Desde que o kit seja bom – este é mas dá um trabalhão a fazer porque vem todo torto… Entre os diversos modelos, Carpinteiro Albino tem os que pilotou ao longo das sua carreira – Volkswagen 1302S, Saab 96. o Renault R8 Gordini vencedor do Rali TAP… “feito cá, em resina -ofereceram-me o kit…” apenas falta o Fiat 125 S do Team Torralta… O próximo a entrar em “produção” é um Cobra, para fazer a réplica de um 427. Para quem quer começar, Carpinteiro Albino dá umas dicas: “Comecem pelos Tamiva, que são os mais fáceis; primeiro tentem fazê-los; depois passem então para a fase de melhoramentos.
” Separar os modelos de Carpinteiro Albino não é fácil – quase uma missão impossível. Estão fechados nas vitrinas, que não têm portas de abrir, para evitar tentações… porque as miniaturas não são para mexer – são para ver. Os vidros estão fixos e devidamente calafetados, porque o pó é o pior inimigo dos modelos. Quanto a exposições… “Não faço. Uma vez ainda me levaram uns sete ou oito modelos para uma FIL… todos fechados, com cadeados… mas mesmo assim, não…” Carpinteiro Albino não acaba a frase, mas a sua expressão diz tudo o resto.. “Isto não é para mexer. Por isso as vitrinas são todas aparafusadas.”
Mas a paciência de chinês vai a outros parâmetros: por exemplo, a partir de uns planos comprados em Inglaterra, nasceu mais um modelo, cheio de invenções: “Foi feito a partir de um bloco de balsa, que depois de tratada e bem pintada, nem se sabe o que está por baixo. Os pneus foram feitos em araldite e o molde feito em sílica, os escapes são feitos com fio eléctrico, mas as partes finais são cabos de pincéis… as suspensões são “clips”. Mas há mais: com base num kit do Lancia-Ferrari, com depósitos laterais, foram feitos nada menos do que sete modelos diferentes, orgulhosamente situados numa vitrina onde os Ferrari têm um lugar muito especial…
Histórias
A montagem dos modelos dá direito a algumas histórias curiosas: como os da Pocher, por exemplo, com pormenores tão cuidados como a corrente, que é cravada elo por elo… “Comecei pelo chassis e cheguei à conclusão que tinha de o desmontar outra vez para montar o carter, que de outro modo não cabia. E tive de desapertar 40 minúsculos parafusos, daqueles que habitualmente apertam uma vez e chega…” É que os parafusos não são feitos para andar a apertar e despertar, normalmente começam a moer quando há “teimosias”… E as rodas? “
Cada picolete é cravado… mesmo depois de uma certa prática, nunca consegui fazer isto em menos de oito horas. Biaggio Flora-0 pai – mandou vir mais dois carros, para além do meu e um dia disse-me que estavam a reclamar os carros, que eram impossíveis de construir – as rodas não se montavam… Não se montam? Vou mandar-lhe uma, para ver, mas não lhe mexa!… e meti uma roda numa caixinha, selada, e levei-lhe a roda…” Que não era impossível de montar… Por falar em paciência de chinês: Carpinteiro Albino tem o Rolls Royce, Alfa Romeo, Fiat, Bugatti e Mercedes- que até tem os faróis amarelecidos, como o metal da época. Fala dos Porsche com um interesse especial – têm bielas, pistões e tudo, muito completos. Eos vidros das portas sobem de manivela – razão ao anfitrião – isto não é para mexer!