Clássicos • 08 Jun 2016
Passeio de automóveis antigos assinala 70 anos do Jornal do Fundão
O «seiscentos» da Fiat é a prova de que os automóveis não se medem aos palmos. As suas dimensões reduzidas escondem uma habitabilidade muito razoável, fruto de uma solução original para a época: o motor atrás. Além disso, as linhas, obra de Dante Giacosa, logo cativaram o público. O Fiat 600 estava talhado para o sucesso.
A associação de alguns notáveis fabricantes e comerciantes de Turim, dirigidos por Giovanni Agnelli, levou à criação da «Fábrica Italiana Automobili Torino», no último Verão do século passado. Todos os «associados-fundadores» eram entusiastas do mais novo meio de transporte na época: o automóvel. O primeiro modelo da nova marca foi o 3 ½ HP,com motor bicilíndrico montado atrás, e com uma carroçaria vis-à-vis. Os modelos Fiat nunca se caracterizaram, tecnicamente, por um grande avanço em relação ao seu tempo. Os dirigentes da marca preferiram quase sempre utilizar materiais e tecnologias comprovadas, que permitiram criar e cimentar uma imagem de robustez e fiabilidade.
Esta filosofia levou a Fiat ao sucesso em competição, com inúmeras vitórias em Grand-Prix e vários recordes de velocidade batidos pelos «bólidos» de Turim. Ao volante dos automóveis italianos – o mais monstruoso dos quais, o S76, com 28 litros de cilindrada – destacaram-se, entre outros. F. Nazzaro, V. Lancia, R. De Palma e P. Bordino. Após o Grand-Prix de Milão, vencido por Bordinoem 1927, a Fiat retirou-se da competição. Só regressaria na década de sessenta. A marca italiana não fabricava apenas automóveis, tendo-se destacado também nos sectores das máquinas agrícolas, das telecomunicações, da aviação, dos caminhos de ferro e outros produtos metalúrgicos, fazendo jus à máxima que adoptou nos anos trinta: «Terra Mare Cielo».
O precursor dos utilitários Fiat foi o modelo Zero. Produzido de 1912 a 1915, estava equipado com um motor de 4 cilindros que debitava 19 cv. A sua carroçaria leve permitia-lhe transportar cinco passageiros e respectivas bagagens à velocidade de 70 km/h. O passar do tempo alterou o significado da expressão utilitário. No sentido que hoje tem – pequeno automóvel adaptado a uma utilização maioritariamente citadina – o primeiro que a Fiat produziu foi o Fiat 500, apresentado em 1936. Quase de imediato, o público baptizou-o de «Topolino», que em italiano é o nome do Rato Mickey.
A simpática alcunha partiu do tamanho reduzido do modelo, inicialmente com apenas dois lugares, e do desenho da carroçaria, muito redondinho, com os faróis dianteiros montados sobre os guarda-lamas e o desenho da grelha a formarem um «focinho» que o público considerou assemelhar-se ao do pequeno rato. Seja como fôr, «Topolino» assenta-lhe que nem uma luva. O motor de 4 cilindros em linha, com 569 cm3 de capacidade, estava montado à frente desenvolvendo 13 cv de potência. O «carrinho» atingia 85 km/h, sendo barato e económico. O 500 foi melhorado, passando a ser 500 B, e mais tarde, 500 C, este último com um desenho um pouco mais moderno. Ao longo da produção do Topolino – de 1936 a 1955 – a Fiat fabricou mais de meio milhão de «ratinhos». A tarefa do seu sucessor não iria ser fácil…
Foi no Salão de Genebra de 1955 que a Fiat apresentou, pela primeira vez ao público, o sucessor do «Topolino». O novo modelo era uma berlina de duas portas – que abriam para trás, característica comum ao seu antecessor- com quatro lugares. As linhas originais da sua carroçaria, fruto do espírito criativo de Dante Giacosa, combinavam elegância e sobriedade e agradaram de imediato. Tendo em conta o seu tamanho – pouco mais de 3.2 m de comprimento e 1,1 m de largura -0600 era muito espaçoso. Mas a surpresa maior era quando se abria o «capot» dianteiro: em vez do motor, descobria-se um porta-bagagens de dimensões bastante razoáveis. É que o novo Fiat tinha o motor atrás, o que lhe permitia obter uma habitabilidade pouco comum, face às dimensões exteriores reduzidas, já que, como um «tudo-atrás», dispensava o túnel de transmissão, que ocuparia espaço necessário ao conforto e bem-estar dos passageiros.
Todavia, não era apenas aí que o «bolinhas» inovava, já que era também o primeiro Fiat com carroçaria autoportante e suspensão independente, tanto à frente como atrás. A designação 600 revelava a capacidade do motor de 4 cilindros, que era de 633 cm3. Um carburador Weber invertido permitia-lhe desenvolver 22cv DIN às 4000 rpm. Com um binário razoável a baixas rotações, uma caixa de quatro velocidades bem escalonada (se bem que a primeira velocidade não fosse sincronizada) e baixo peso – menos de 600 Kg – o pequeno Fiat era bastante «vivo», e um verdadeiro regalo de utilizar na cidade, gastando menos de 7l aos 100 km.
O novo Fiat foi um sucesso, e havia mesmo um prazo de espera para quem quisesse ter um. No ano seguinte à sua apresentação, em 1956, a Fiat revelou duas variantes: uma versão descapotável, com tecto de lona, mantendo toda a estrutura lateral das portas e dos vidros (nomeadamente o óculo traseiro, que não era amovível ou recolhível). Apresentava reforços estruturais em todo o perímetro da capota. Seguindo a moda iniciada nos EUA (na época o «American Way» estava na berra) a versão descapotável do Fiat 600 estava equipada com pneus de flanco branco. Mas a grande novidade da gama, no ano de 1956, foi a «Múltipla», Verdadeiro precursor dos actuais monovolumes, que muitos consideram o automóvel do futuro a «Múltipla» estava quase trinta anos avançada em relação ao «fenómeno» Espace da Renault.
A modularidade do veículo era denunciada pelo seu nome, sendo várias as utilizações possíveis: a «Múltipla» tanto podia transportar seis passageiros como, com as duas filas posteriores de bancos recolhidas, mercadorias volumosas. Mas grande parte das que foram vendidas. principalmente em Itália, foram utilizadas como táxis; o posto de condução, muito avançado (o motor estava atrás) permitia que, uma vez retirados os bancos intermédios, o espaço disponível fosse mais do que o suficiente para que passageiros e bagagem tivessem acesso fácil ao interior. Em termos mecânicos, a «Múltipla» não diferia muito do 600, com excepção da suspensão dianteira, que era adaptada do modelo 110. Os restantes componentes eram idênticos aos da berlina, mas se esta mercê do seu reduzido peso, alcançava os 100 km/h, já a «Múltipla», com os magros 22cv do 4 cilindros em linha. não superava os 90 km/h.
No Verão de 1960, o Fiat 600 sofreu algumas alterações, que levaram a que os modelos fabricados após 1960 passassem a ser designados 600D. Até esse ano tinham saído da fábrica de Turim cerca de 900 mil «bolinhas». A estes números haveria ainda que juntar os Seat 600, «clones» dos Fiat, fabricados na zona franca de Barcelona. Entre 1957 e 1963 foram fabricados mais de 130 mil Seat 600, que se distinguiam dos Fiat 600 apenas pelo desenho da grelha e símbolos. No Fiat 600D os piscas passaram a estar situados por baixo dos faróis dianteiros e também nos guarda-lamas dianteiros, e já não sobre estes, como acontecia no 600. Os vidros do primeiro dos «bolinhas» não desciam, encontrando-se divididos ao alto, permitindo apenas correr uma parte sobre a outra, para entrar ar e pouco mais, já que nessa altura não havia portagens…
O 600D era mais sofisticado, possuindo vidros descendentes, apesar de as portas continuarem a abrir para o lado menos seguro. No capítulo das alterações mecânicas, destacava-se o aumento da capacidade do motor, para 767cm3, que resultou num acréscimo de potência de 7 cv DIN, que permitia ao 600D alcançar 10km/h. Estas alterações estenderam-se às versões Múltipla». Soa partir de 1964 é que o 600D passou a ser fabricado com portas que abriam para a frente e no ano seguinte, pouco tempo depois de terem sido fabricados dois milhões de exemplares do Fiat 600. houve mais algumas modificações: o reservatório de combustível passou a ter uma capacidade de 31 litros; os faróis dianteiros aumentaram de tamanho e os frisos cromados dos flancos foram suprimidos.
Ao mesmo tempo um novo símbolo, simplificado, passou a ornamentar a parte frontal do 600D. Até ao fim da produção, o modelo não sofreu mais alterações, e embora tenha perdido uma certa competitividade em relação a automóveis de concepção mais moderna, continuou a vender-se bastante bem, tendo sido fabricadas cerca de 3 milhões de unidades. Foi um dos maiores sucessos comerciais da Fiat, e deu origem a uma família de modelos que marcaram uma época: 500, 850, 850 Sport Coupé, entre outros.
Os interiores do Fiat 600, ao longo de toda a produção, primaram pela simplicidade. A necessidade de obter um conjunto suficientemente leve, para se tornar ágil e desembaraçado no tráfico citadino, levou a algumas concessões no tocante ao conforto dos passageiros. No entanto, os materiais utilizados no habitáculo eram, na sua maior parte, de grande qualidade e resistência. Por esta razão, grande parte dos «sobreviventes», mesmo aqueles cuja manutenção foi menos cuidada, apresentam os revestimentos dos bancos e das portas de origem. Os primeiros exemplares tinham um tablier de chapa pintada na cor da carroçaria, sem qualquer revestimento de borracha ou plástico. Um enorme volante de baquelite, branco ou cinzento, dominava a posição de condução. O «claxon» era accionado através de um aro nele existente.
Á frente do condutor encontrava-se a instrumentação considerada, naquela época, suficiente para um veículo sem pretensões desportivas. Um mostrador elíptico integrava o velocímetro, que tinha apenas conta-quilómetros total, e para além de indicar a velocidade, continha umas pequenas marcas que mostravam qual a velocidade máxima atingirem cada «rapport». Do lado direito do velocímetro estava o indicador do nível de gasolina, e por cima deste, a luz avisadora da pressão do óleo. Do outro lado, duas luzes avisadoras: a da temperatura da água e a da carga da bateria. No centro do tablier, encontrava-se a fechadura da ignição. Os bancos estavam revestidos em tecido, com aplicações em napa. O forro dos painéis das portas e dos painéis laterais traseiros era também daquele material. Atrás dos bancos traseiros, que se podiam rebater, havia espaço para bagagens, não negligenciável, já que o espaço que lhes estava reservado, sob o capot dianteiro, tinham de o dividir com o pneu de reserva.
A partir de 1960, com a chegada do Fiat 600D, fizeram-se sentir algumas alterações: o volante mantinha os seus dois braços, mas a buzina passava para o centro. O tablier passou a ter um revestimento inferior de plástico, que permitia, numa prateleira que não existia nos modelos anteriores, guardar pequenos objectos. Com o mesmo fim, surgiu um pequeno tabuleiro colocado à frente da manete da caixa de velocidades. No mostrador, em alguns modelos, em vez da luz avisadora da temperatura da água, existia um verdadeiro termómetro. No centro do tablier, acima da ignição, existia um cinzeiro. Os bancos passaram a ser revestidos a napa de duas cores. os painéis das portas estavam equipados com pequenas bolsas.
Imagine-se em Portugal, no início dos anos sessenta. Se quisesse comprar um meio de transporte, e não tivesse muito dinheiro, as opções não eram muitas: podia comprar uma Vespa, que apesar de estar na moda, e ser bastante versátil e económica, não oferecia protecção contra o Inverno, e só permitia transportar um passageiro; podia comprar um micro-carro, um Isetta ou um Goggomobil, mas este tipo de automóveis, mercê de uma produção em números reduzidos, não era muito fiável, e conforto dos passageiros não tinha sido uma prioridade na sua concepção; a Fiat, com o 600, procurou suprir a falta de automóveis económicos e fiáveis, permitindo que um maior número de portugueses pudesse aceder a um veículo de quatro rodas, confortável, de fácil manutenção, e barato. Os Fiat eram importados pela Fiat Portuguesa S.A.R.L. Quando o 600 apareceu, custava menos de quarenta contos. oque o tornava um dos automóveis mais baratos à venda no nosso país. O600D. em 1964. custava 43.780$50. O seu concorrente mais directo, o Morris 850, custava mais três contos. A Fiat manteve aquele preço de venda ao público, até ao fim da produção do «bolinhas», em 1970. Nessa altura, apesar de o nível de vendas continuar a ser razoável, o pequeno Fiat já se mostrava desactualizado face à concorrência, e em breve seria substituído pelo Fiat 127, que também faria grande sucesso em Portugal.
No panorama automobilístico português, o Fiat 600 desempenhou, pois, um papel muito importante, já que permitiu a muitos a compra do primeiro automóvel. Era vê-los (aos 600), com o «toc-toc» característico do motor, a arrancarem a toda a brida. Muitos certamente recordarão o «assobiar» do «bichinho» em primeira – já que não era sincronizada – fazendo vibrar todo o conjunto, à medida que se aproximava assustadoramente a velocidade em que era necessário engrenar a segunda: 15km/h! Mas o Fiat era muito seguro, com a suspensão independente às quatro rodas, e a curta distância entre eixos permitiam-lhe um comportamento muito são. Além do mais, nas estradas da época, havia muito menos trânsito, e a qualidade das estradas já nessa altura era famosa… Assim, o Fiat 600 não era perfeitamente adequado, tanto a uma utilização citadina, como na estrada. Os galas de brilhantina no cabelo e sapato envernizado, passeavam as suas conquistas, enquanto trauteavam a última música de Johnny Halliday. Com um bocadinho de imaginação, o 600 transforma. se num Ferrari (ajudava se o Fiat fosse vermelho!) a deslizar na Côte d’Azur…
O facto de ser um automóvel bem conseguido, permitiu que os seus proprietários os utilizassem em competições. Sendo pouco potente, é natural que quando utilizado para esse fim, se tentassem aproveitar as características da suspensão independente, e da curta distância entre eixos, que proporcionavam ao Fiat 600 uma grande agilidade. Por essa razão foi maioritariamente utilizado em provas de perícia, tais como o Rali da Emancipação, organizado pelo Clube Cem à Hora, e outras provas promovidas pelo ACP e por câmaras municipais. Os prémios não tinham grande valor, e o espírito de competição não era exacerbado.
O objectivo principal era a diversão e o convívio. O Fiat 600, com as suas características técnicas, e as suas linhas simpáticas, proporcionava ao seu proprietário razões de sobra para alcançar o objectivo proposto. Numa perspectiva mais séria, houve alguns preparadores que, tomando o Fiat 600 como ponto de partida, desenvolveram-no de forma a torná-lo uma verdadeira «máquina do asfalto». O mais conhecido -e mais bem-sucedido – foi Abarth. Os Abarth Corsa 1000 SC e 1100 TC tiveram bastante sucesso na categoria «pulguinhas voadoras», sendo, em muitas ocasiões, mais rápidos em circuito, do que automóveis com várias vezes a sua cilindrada e potência.
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