LifeStyle • 02 Jul 2014
LifeStyle • 20 Out 1996
Velhas Tradições
Quase nada do que se faz ou acontece atualmente no mundo dos automóveis clássicos, é novo. Aquilo que de uma maneira geral observamos neste domínio no nosso país, ou tem uma tradição continuada, ou então já se fez ou aconteceu, mesmo que num passado relativamente distante. É isso que vamos mostrar recorrendo a algumas imagens bastante antigas, inéditas, que decidimos partilhar com os nossos leitores, muitos dos quais, sabemo-lo bem, apreciam verdadeiras raridades.
O Sucateiro
Os quintais, logradouros ou simplesmente parques de sucata, passaram a ser desde há cerca de quarenta anos, locais místicos e de peregrinação para os entusiastas dos carros antigos. Nos anos cinquenta e sessenta, os poucos aficionados que no nosso país se dedicaram a recolher e preservar veículos obsoletos, acabaram por tornar-se autênticos colecionadores. A eles, ao seu pioneirismo e à sua perseverança, devemos muito do patrimônio que neste domínio existe na nossa terra.
Eram olhados de uma maneira geral, por quase toda a gente, desde os próprios sucateiros até à imprensa, como indivíduos excêntricos e extravagantes, que se davam ao trabalho de guardar, aquilo que os outros já não queriam. Nos anos setenta, com o advento da imprensa especializada estrangeira, e de uma mudança de gerações de viciados nos automóveis. teve lugar o início de uma nova fase da preservação, da curiosidade e do respeito pelas viaturas que, entretanto, haviam deixado de ter interesse.
O Concurso de Elegância
No Outono de 1987, teve lugar na Quinta da Marinha, o primeiro de uma série ininterrupta de Concursos de Elegância e Restauro. Estas realizações têm tido o mérito de fazer sair das garagens, das colecções particulares e por vezes mesmo da obscuridade, numerosos veículos importantes, permitindo que o público tenha a possibilidade de vê-los de perto, fotografá-los à luz do dia e, no caso de alguns privilegiados, sentar-se lá dentro ou mesmo, experimentá-los. Realizar actualmente um concurso de elegância automóvel, destinado embora a carros clássicos. é retomar uma tradição que também em Portugal não é nova. Desde os anos trinta, este tipo de manifestações foi sendo levado a cabo com uma certa continuidade, para carros contemporâneos naturalmente, e a partir dos anos cinquenta, quase sempre associado a um concurso paralelo de elegância feminina em automóvel.
Ao evocar por exemplo os concursos de elegância automóvel do Estoril, ocorre imediatamente a recordação do nome de Erico Braga, pois ele foi sem dúvida, no período dos anos cinquenta, o mais incansável elemento das comissões organizadoras deste tipo de acontecimentos bem como, um dos principais membros do júri, em representação da Sociedade de Propaganda da Costa do Sol. Director artístico do Casino Estoril e figura mundana da época, Erico Braga foi também actor de cinema, representando em 1947, um dos principais papéis no filme de Arthur Duarte, “O Leão da Estrela”. Um dos primeiros Concursos de Elegância e Conforto, teve, todavia, lugar integrado no programa do III Circuito do Campo Grande, realizado em Lisboa em Maio de 1933.
O Automóvel Antigo
Desde quando se preservam em Portugal automóveis antigos? Não é fácil responder com precisão. Podemos todavia conjecturar que, provavelmente, há muito tempo. O exemplo junto mostra que há mais de 60 anos, já assim era. E para não irmos mais longe deixemo-nos ficar pelo programa do III Circuito do Campo Grande. É que nesse fim de semana, o público pôde observar a evolução do Oldsmobile “Curved Dash” de 1902, que o Eng° José Máximo de Castro Nery havia cuidadosamente posto de novo a funcionar. Este exemplo pioneiro da conservação de automóveis antigos, chegou naturalmente até aos nossos dias, e pode ser observado no Museu do Caramulo.
Os Desportos Radicais
Foram vários os praticantes portugueses do automobilismo de outras eras, que eram simultaneamente entusiastas, ou de outros desportos. ou de outras actividades que hoje certamente não hesitaríamos em considerar como radicais. Foi o caso do Conde de Monte Real, que se divertia na sua juventude a bordo da sua lancha rápida ou executando acrobacias em esqui aquático na baía de Cascais e, por exemplo, de Joaquim Mascarenhas Fiúza, praticante de vela, que em 1952, alcançou a medalha de bronze na categoria “Star”, nos Jogos Olímpicos de Helsínquia.
Outro exemplo que ocorre, é o dos irmãos Casimiro e Manuel de Oliveira, que na sua juventude e algum tempo antes de se viciarem nos automóveis, eram as vedetas de um arriscado número de circo conhecido pelo trapézio voador. Contudo, um dos mais dinâmicos desportistas e aventureiros no período de entre as duas Guerras Mundiais, é sem dúvida, Carlos Eduardo Bleck. Em 1923, é o vencedor na sua categoria, no Quilómetro Lançado da Avenida da Boavista, tripulando um Alfa Romeo. Em 1925, ao volante da uma Bugatti Brescia, triunfa novamente na sua categoria, na segunda edição daquela prova para dois meses depois se tornar o vencedor absoluto no Circuito do Estoril.
Carlos Bleck, não obteve apenas resultados honrosos ao volante de carros de marcas gloriosas. Foi também um notável piloto de aviões, que realizou numerosas viagens intercontinentais. A imagem que apresentamos refere-se aos momentos que antecederam a partida para a travessia aérca do Atlântico-Sul. O DH 88 Comet recentemente adquirido em Inglaterra e baptizado de “Salazar” acabaria por se imobilizar no final da pista por avaria no trem de aterragem, impossibilitando a tripulação de prosseguir. Desiludido, Carlos Bleck não voltaria mais a andar de avião.
O Prémio Mais Desejado
O automóvel é actualmente o prémio maior e também o mais cobiçado, em qualquer concurso publicitário ou de outra natureza, seja anunciado ou promovido nos jornais, nos hipermercados ou na televisão. De quando em vez, apenas consegue ser suplantado na cobiça dos concorrentes, pela oferta de um apartamento. Mesmo que não seja mobilado. Uma vez mais, voltamos a falar de algo que tem uma gloriosa tradição no nosso país. O exemplo é o concurso Gente de Teatro”, promovido em Lisboa no Jardim de Inverno nos finaisde 1927. Juntamente com prémios gramofones, como domésticos utensílios e objectos decorativos, o primeiro prémio ега simplesmente, automóvel Chevrolet.