Automobilia • 18 Dez 2016

Automobilia • 20 Out 1996
Mercedes 230 SL e 280 SL sob o Signo da Estrela
À difícil tarefa de substituir os carismáticos 300 SL Coupé e Roadster e o «best-seller» 190 SL, a segunda geração dos «Super-Leicht» respondeu com elegância e «Souplesse». Não são menos dignos da sigla por isso. Antes pelo contrário.
Quando Emile Jellinek – cônsul austro-húngaro em Nice e agente dos automóveis Daimler – encomendou a Wilhelm Maybach o desenho de um modelo mais baixo, mais leve e mais potente, e o baptizou com o nome Mercedes – nome da sua filha mais velha – estava certamente longe de imaginar a importância e o prestígio que os automóveis Mercedes alcançariam. A estrela de três pontas surgiu pela primeira vez num modelo «Knight» 16/45, e significava os três caminhos que a marca pretendia seguir: ar, mar e terra.

Todavia, é depois da fusão da Daimler com a Benz que aquela atinge o seu brilho máximo. Para isso contribuíram modelos míticos como os SS, SSK e SSKL- que cobriram de glória a Daimler Benz com as suas vitórias em competição – os 500K e 540K – ainda hoje considerados como sendo os mais belos automóveis de todos os tempos – e os modelos de Grand Prix W125e W154- que dominaram o panorama desportivo no final dos anos trinta. Depois veio a guerra.
O “Super Leicht”
Como resultado da Segunda Guerra Mundial, oitenta por cento das fábricas da Daimler Benz foram destruídas. Além disso, faltavam quadros competentes e os mercados estrangeiros estavam novamente por conquistar. Se em 1946 apenas 214 exemplares do 170 V saem das linhas de montagem, quatro anos depois, os modelos fabricados anualmente ascendem a já perto de 34 mil exemplares. Com a saúde financeira da marca parcialmente restabelecida, os responsáveis da Mercedes Benz decidem regressar à competição, o que acontece em 1952. O novo modelo de competição era um coupé desportivo, designado por 300 SL – inicialmente a sigla significava «Sports» e «Leicht»›, depois passou a representar «Super-Leicht» (Super-Leve).
No ano de estreia, venceu as 24 Horas de Le Mans, a Carrera Panamericana e várias corridas de sport, que se realizaram nos grandes prémios da Suíça e da Alemanha. Max Hoffman, importador da Mercedes em Nova Iorque, convenceu os responsáveis da marca a produzir o 300 SL em versão de estrada. O supercarro – que tinha um motor de 6 cilindros, 3 litros com 215 cv o que lhe permitia alcançar 240 Km/h com o rapport adequado – foi apresentado no New York Motor Sports Show, em Janeiro de 1954. No mesmo evento, a Mercedes revelou outro modelo. o 190 SL, com linhas muito semelhantes às do 300 SL, mas com o chassis e o motor da berline 180. Este modelo tinha uma potência de 115cv e alcançava cerca de 170 Km/h. Era um modelo mais acessível e menos desportivo que o complexo topo de gama da Mercedes, mais vocacionado para o turismo, e já distante dos modelos de competição. Foi produzido em 25.881 unidades, até 1963.

O Tecto de Pagode
No Salão de Genebra de 1963, é lançado o Mercedes 230 SL. O novo modelo apresentava Tinhas suaves e esguias, mas ao contrário dos seus antecessores, não possuía formas arredondadas. Era, apesar disso, um automóvel muito elegante. O seu desenho era da autoria de Paul Bracq, que era, na altura, o responsável pelo centro de estilo da Mercedes Benz. A sua característica mais marcante era a forma do para-brisas e do hard-top metálico; o primeiro apresentava-se mais alto nos extremos do que no centro, e o último tinha um formato côncavo muito original.
Esta opção estética prendia-se com questões de segurança, permitindo quer uma maior visibilidade (factor de segurança primária) quer uma maior rigidez do habitáculo em caso de acidente (factor de segurança secundária). O cliente podia escolher se queria o seu novo Mercedes equipado só com a capota de lona, sócom o hardtop metálico, ou com ambos – até houve alguns exemplares, vendidos na Califórnia, que não possuiam nenhum deles. De todas as formas o que ficou para a história foi a alcunha que iria acompanhar o modelo ao longo de toda a sua produção, e mesmo depois: «pagode» ou «tecto de pagode».

Base Mecânica Comprovada
Quanto aos componentes mecânicos. o230 SL (ou W113, na designação oficial da Mercedes Benz), baseou-se no 220 SE berline. Este tinha um motor de seis cilindros com 2195 cm3 (80mm x 72.8mm), que foi ponto de partida para um novo motor de 2306 cm3 (82mm x 72.8mm), equipado com injeção directa Bosch, que desenvolvia 150 cv DIN (170CV SAE). A caixa de quatro velocidades era equipamento standard, estando disponível como opção a caixa automática de quatro velocidades ou manual ZF de cinco velocidades (só a partir de 1966), podendo com esta ser montado um diferencial autoblocante.
Mas era no chassis, e principalmente na escolha dos pneumáticos que o 230 SL inovava; Rudy Uhlenhaut, um dos engenheiros responsáveis pelo departamento de competição, além de ser também piloto de testes da Mercedes, pretendia que o novo modelo fosse especial. À imagem dos novos formula 1, menos potentes que os anteriores, mas mais rápidos em circuito, devido às novas soluções adoptadas nas suspensões, chassis e pneus, Uhlenhaut queria que o novo SL conseguisse, na prática, ser mais eficiente e lesto, do que automóveis mais potentes. Uma das implicações desta filosofia foi a adopção de pneus radiais, mais largos e com um perfil mais baixo.

Nessa altura, este tipo de pneus estava ainda no início do seu desenvolvimento, e teve de ser feito um pedido especial à Firestone-Phoenix e à Continental, para que a Mercedes Benz pudesse obter o que pretendia. Além disso, as vias mais largas do SL em relação à berline e as suspensões melhoradas contribuíam para melhor comportamento em estrada. Apesar destas inovações, o novo modelo da Mercedes não foi muito bem recebido pelos jornalistas, que não o consideraram um verdadeiro desportivo – mercê das suas linhas elegantes e sóbrias – nem o aceitaram como merecedor da designação «Super-Leicht». Esta reacção era fundada no carácter distinto dos modelos que o precederam, principalmente o300 SLe o300 SL Roadster, que eram mais potentes e agressivos. Mas a opinião dos jornalistas só se manteve até experimentarem o 230 SL… A verdade é que o novo modelo permitia obter médias mais elevadas, principalmente em estradas sinuosas do que os modelos anteriormente referidos. Além disso, os jornalistas renderam-se à qualidade de vida a bordo do novo Mercedes, que era espaçoso e confortável, qualidades pelas quais não primavam os 300 SL.
Competição e Aumento de Cilindrada
Os responsáveis da Mercedes resolveram também provar que o novo SL podia ter sucesso em competição. Para tal escolheram uma das provas mais duras: o Liège-Sófia-Liège, a «maratona da estrada». Ligando Spa, na Bélgica, a Sófia, na Bulgária, atravessando parte da Jugoslávia, era uma prova de resistência para homens e máquinas. O 230 SL que competiu na edição de 1963, tinha alguma preparação mecânica, mas todos os outros componentes, exceptuando suspensões mais duras, eram de série. Mesmo assim, a tripulação alemã Bohringer- Kaiser venceu a prova.
Esta vitória «deu um empurrãozinho» às vendas do SL. Até Janeiro de 1967 foram fabricadas um total de 19.831 unidades. Em Março de 1967, novamente no Salão de Genebra foi apresentado o 250 SL. A principal diferença era o aumento de cilindrada do motor, que passou a ser de 2.436 cm3 (82mm x 78.8 mm). A potência manteve-se idêntica à do modelo anterior, sendo, no entanto, mais «redonda» na utilização, por força de um binário superior. O 250 SL beneficiava também de uma cambota de sete apoios, que substitui a do 230 SL, que contava apenas com quatro apoios. O novo descapotável da Mercedes manteve-se em produção durante apenas doze meses.

Foram fabricados 5.196 exemplares, sendo o mais raro dos Mercedes W113.0280SL foi produzido de Novembro de 1967 a Março de 1971. A capacidade do motor foi novamente aumentada, desta feita para 2.778 cm3 (86.5mm x 78.8 mm), passando o condutor a dispor de 170cv DIN (195 cv SAE). De salientar que os modelos americanos, devido às normas antipoluição em vigor nos Estados Unidos, debitavam apenas 180 cv SAE (cerca de 155 cv DIN). O novo SL na versão europeia alcançava os 200 KM/h e acelerava dos 0 aos 100Km/h em 9 segundos. Pesava mais quase 200 Kg do que o 230 SL, tornando-se menos ágil do que o primeiro modelo.
Para além disso permitia um maior intervalo entre revisões (nove mil, em vez de três mil quilómetros) o que levou, no entanto, a que certos componentes da suspensão, que implicavam uma lubrificação regular, fossem substituídos por peças de borracha, tornando o comportamento «esponjoso», e consequentemente, menos agradável. Todavia, é este o modelo que melhor se presta a uma utilização «moderna», porque é mais confortável, ainda que não seja o mais económico.

Versões Americanas, Europeias e Especial Pininfarina
As versões americanas caracterizavam-se pelos faróis dianteiros divididos, menos bonitos do que os das versões europeias, agrupados debaixo da mesma cobertura. Além disso, as versões americanas estavam equipadas de indicadores de direcção nos flancos (que era obrigatório nos E.U.A.). Muitos dos compradores do outro lado do Atlântico escolhiam a opção «pneus com tirinha branca», que normalmente eram Michelin X. Quanto às versões europeias, sem abrir o capot, ou espreitar a designação na tampa da mala, a forma mais fácil de distinguir o 230 SL e o 250 SL do 280 SL é através dos tampões das rodas: nos primeiros modelos, havia dois componentes, a cobertura exterior, e a cobertura central, enquanto que no modelo posterior, o tampão é de uma peça só, cobrindo todo o diâmetro da roda.
Desde 1969, o comprador podia optar por umas jantes em liga leve. Pininfarina, em 1964, a pedido de um homem de negócios alemão, redesenhou um Mercedes 230 SL. O modelo tinha um tecto fixo, um capot mais alongado, apesar de se manterem os faróis dianteiros e a grelha. Na traseira, surgiam farolins semelhantes aos do Ferrari 275 GTS. O tablier, os instrumentos e o volante mantiveram-se, mas os bancos sofreram alterações, assemelhando-se aos utilizados nos Ferrari de estrada. Inicialmente o modelo era cinzento, actualmente é vermelho.

A Bordo do Tecto de Pagode
Nos primeiros 230 SL, os bancos do condutor e passageiro eram mais estreitos, sendo no entanto confortáveis e envolventes. Encontravam-se revestidos em vinyl «tex», de grande qualidade e exclusivo da Mercedes. O revestimento em pele era opção desde o início. Atrás existia um terceiro banco disposto transversalmente, e preparado para acolher apenas um passageiro que viajava de lado. Estava concebido apenas para pequenos trajectos, já que não era muito confortável. A partir de 1965 os bancos passam a ser mais largos, com maior suporte lateral. 0250SL, versão coupé (com hardtop metálico) estava equipado com um banco traseiro normal, mas muito pequeno, apenas podendo ser utilizado por crianças, e que podia ser dobrado para aumentar o espaço para a bagagem.
Quanto ao tablier possuía uma cobertura de plástico de grande qualidade, e estava pintado na cor da carroçaria. À frente do consultor destacava-se um conjunto de instrumentos VDO, com aros cromados e caracteres brancos em fundo negro. Era composto por dois mostradores principais circulares, (velocímetro à esquerda e conta-rotações à direita). No meio, existia um mostrador rectangular, que incluía várias informações: pressão do óleo, nível de combustível, temperatura da água e luzes avisadoras. No centro do tablier encontrava-se o rádio (normalmente Becker), que era opção na época. Mais perto do passageiro existia um relógio eléctrico. Os pedais eram suspensos.
A manete de mudanças na caixa manual era mais alta do que no modelo de caixa automática. mas ambas permitiam uma utilização agradável. O volante era de plástico de grande qualidade, branco ou preto, com dois braços. O aro cromado da buzina era circular nas primeiras unidades, mas a partir de 1965 passa a ser em forma de rim. Dois anos depois volta a forma circular mas achatado no topo, para não interferir com a visibilidade dos instrumentos. Em todos os modelos o centro do volante era almofadado. mas só nos 280 SL se encontrava preparado para absorver impactos, em caso de acidente.

Conselhos de Compra
Se a sua escolha recaiu sobre um dos modelos a que se refere o dossier deste mês aqui ficam alguns conselhos que o podem ajudar: em primeiro lugar, a parte mecânica (motor e caixa de velocidades) não dá normalmente problemas de maior. Tal facto prende-se com a fiabilidade característica dos modelos da marca de Estugarda. No entanto, é fundamental que tenham sido respeitadas as regras de manutenção, como mudança de óleo, lubrificação, etc. Exija, sempre que possível, recibos e facturas que comprovem que o automóvel foi bem tratado, porque desta forma assegurará muitos quilómetros sem complicações. De todas as formas, todos os componentes mecânicos estão disponíveis, devido à grande difusão das berlines que utilizavam motores muito semelhantes.
Os problemas mais frequentes neste modelo, à semelhança do que acontece com outros automóveis clássicos, analisados em números anteriores do jornal, dizem respeito à corrosão. Se nos Mercedes SL, por força do seu maior valor comercial, haverá mais «espaço de manobra» para proceder às reparações necessárias, não deve o leitor esquecer que modelos com maior qualidade de construção-como é o caso de todos os Mercedes – um restauro à altura fica muito caro. Além do mais, é frequente que a corrosão neste modelo atinja zonas vitais como os apoios de suspensão, tornando mais delicada a recuperação das áreas afectadas.

Todavia, nem tudo são más notícias, já que neste modelo, portas, capot e tampa da mala são de alumínio, e a maior parte dos painéis de carroçaria estão disponíveis nos concessionários da marca. Quanto aos interiores, a pele, o vinyl «tex» utilizados pela Mercedes são muito resistentes ao uso e ao sol, sendo natural que estejam bem conservados. Caso tal não se verifique, também a sua substituição é possível, embora não seja barata. O valor actual no mercado oscila, para modelos em muito bom estado (sem problemas mecânicos, sem corrosão e com interiores bem conservados) entre os quatro mil e os cinco mil contos. Não há diferença de valor de modelo para modelo, já que todos têm as suas virtudes e defeitos. Assim, o 230 SL é o mais puro e original, mas tem uma condução menos confortável: o 250 SL é o mais raro, mas respeita menos o conceito original, não acrescentando nada em termos de potência em relação ao modelo anterior; o 280 SL é o mais potente e confortável. mas é mais pesado e menos ágil, sendo também o mais comum.
As versões americanas, por força das normas de segurança e antipoluição, são menos bonitas e têm menos potência do que as versões europeias. Pelas razões apontadas, terão tendência a valer menos. Há, no entanto, opções de época que podem valorizar o modelo em causa. É o caso da caixa de cinco velocidades ZF (só cerca de 800 SL foram equipados de origem com ela), o tecto metálico e a capota de lona, e a direcção assistida. Se escolher bem, verá que o SL é um automóvel moderno, permitindo uma utilização quotidiana, para além de ser muito elegante e distinto.

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