LifeStyle • 19 Nov 2017

LifeStyle • 23 Set 1996
Jaime Nunes Rodrigues – Um Médico dos Automóveis
Foi um dos melhores mecânicos e preparadores de automóveis de competição do país, com uma actividade ímpar que se estende ao longo de mais de três décadas. Jaime Rodrigues aliava às suas qualidades de técnico de eleição às de homem correctíssimo e discreto. Por isso o seu perfil nestas linhas.
É extensa a lista de carros que preparou para alinharem em centenas de provas no país e no estrangeiro. É igualmente vastíssimo o rol de grandes nomes do automobilismo desportivo nacional que o escolheram para lhe entregarem as suas máquinas. Todavia, na vida de Jaime Rodrigues existiu ainda a faceta do participante activo na competição, que começa em 1935, no Circuito de Santarém, onde alinhou com Bugatti 35A, em que dois anos depois venceria a classe E no I Quilómetro Lançado do Cabo, perto de Samora Correia, e se prolongou até aos 60 anos como navegador (então a função era designada por “pendura” e também co-equiper) de muitos dos mais consagrados pilotos.
Nesses tempos, o “pendura” era também o técnico, o mecânico conhecedor que, na ausência de assistências organizadas, tentava resolver os problemas no próprio local onde surgiam. Jaime Rodrigues passa depois a preparador e afinador, funções às quais a sua sensibilidade, saber e competência profissional depressa conferiram estatuto de especialidade.

Os Homens e as Provas
Assim, o “pendura” e o técnico conjugados na pessoa de Jaime Rodrigues, estiveram com Manuel Nunes dos Santos, em vários ralis nacionais e internacionais, sendo duas vezes em Monte Carlo, num dos quais se classificaram em 51º da classificação geral; com Joaquim Filipe Nogueira, durante cinco épocas, também em ralis no estrangeiro, com suas vitórias na Volta a Portugal, Rali Internacional de Lisboa, corridas nos circuitos de Lisboa e Porto, Nurburgring (Alemanha), Imola (Itália), Barajas (Espanha); com João Graça, na volta a França; com Daniel de Magalhães e Mário de Araújo Cabral, no Grande Prémio de Tijuca, no Rio de Janeiro; com Correia de Oliveira, Joaquim Filipe Nogueira, Daniel de Magalhães, Marinho de Lemos e José Manel Simões, no Grande Prémio de Luanda, em duas temporadas; com Ernesto Martorell e Joaquim Filipe Nogueira, nas 12 Horas de Casablanca; com José Baptista dos Santos, em vários ralis nacionais e internacionais, Volta a Portugal e Campeonato Nacional de Condutores; com Fernando Stock, António Leitão de Oliveira; com D. Fernando Mascarenhas, António Borges, Alberto Graça e, nos últimos tempos com Manuel Gião, José Lampreia, Francisco Romãozinho e tantos outros, em muitas e variadas competições.
As Marcas e as Máquinas
Em meados dos anos 40, Manuel Nunes dos Santos deve ter sido um dos primeiros clientes de Jaime Rodrigues a quem entregou a preparação do seu BMW 328 de competição. Desses tempos é também o Oldsmobile do 51º lugar em Monte Carlo, mas depois muitas máquinas das mais variadas marcas e modelos passaram pela sua oficina e pelas suas mãos. Quando chegaram os primeiros Porsche 1100, em 1950, Jaime Rodrigues ocupou-se da preparação dos destinados à competição; com os 1500, a partir de 1952, passou-se o mesmo, tal como com os Spyder, os 1600 e também um RSK.
Os dois primeiros Denzel com motor Porsche, um dos quais para Ernesto Martorell, não tinham segredos para este preparador português e, quando em 1953, veio o primeiro Ferrari para Filipe Nogueira, Jaime Rodrigues é o escolhido para se ocupar do carro e faz um estágio na fábrica em Modena. Alguns Mercedes 300SL e Alfas, entre eles o Giulietta 1330 com que José Batista dos Santos se sagrou Campeão Nacional de Condutores em 1961, e até um prosaico VW sofreram transformações que melhoraram assinaladamente as suas prestações em competição. Mais tarde, com o aparecimento dos Cooper S, começou uma fase de grande movimentação no automobilismo nacional. Os carros eram relativamente acessíveis o que levou a que muitos jovens da altura, entusiasmados com condução fabulosa e as vitórias sucessivas de Manuel Gião, quisessem ter um Cooper S 1300 preparado.

Seis BMW na mesma Grelha
Pelas mesmas razões de expansão dos Cooper, chegou a Portugal a onda dos BMW 2002, depois os Ti e os Tii. Um ano, Jaime Rodrigues chegou a ter na grelha da corrida de Turismo em Vila Real os seis BMW inscritos na prova. O mais conhecido foi o BMW Alpina de José Lampreia, que naquela época, alcançava os 200cv. A lista é extensa, mas há a recordar que o virtuosismo de Jaime Rodrigues o levou igualmente às fórmulas.
Desde logo a Fórmula V, com Frederico Abecassis e, depois com Filipe Nogueira, um Fórmula 3 que chegou a correr além-fronteiras por uma equipa – o “Portuguese Racing Team” – o que era… o único piloto. A fama de preparador de Jaime Rosrigues chegou a Espanha, de onde vieram também clientes, entre os quais, para preparar o seu Porsche 908 Spider, o príncipe de Bargación e, entre outros, a equipa Lince, cujo proprietário confiou a preparação de dois motores para as provas do campeonato espanhol da Fórmula 1430 (base Fiat/Seat).
Ideias Perfilhadas pela Porsche e Alfa Romeo
E, já que estamos fora de Portugal, por que não recordar alguns dos apontamentos que ajudam a entender melhor a grande apetência de preparador português para resolver questões não previstas pelos construtores. Estamos no início dos anos 50; os primeiros Porsche 1500 chegam a Portugal e um deles é adquirido por Joaquim Filipe Nogueira. Os travões dianteiros aqueciam e Jaime Rodrigues resolve o problema com a abertura de dois pequenos orifícios ao lado dos farolins.
A alteração foi adopatada pela casa de Stuttgart, mereceu referências no seu boletim oficial e, pouco depois os Porsche 1600 já a tinham adoptado. E, se no Alfa Romeo de Manuel Nunes dos Santos introduziu uma transformação na borboleta de carburador que a fábrica também perfilhou, posteriormente no Skoda de Fernando Stock foi mais simples a alteração: uma contramola traseira que anulou a tendência perigosíssima que o carro tinha para se virar. Jaime Nunes Rodrigues faleceu em 1983. Com ele desapareceu uma época em que, no automobilismo desportivo ainda perduravam alguns ideais e muita criatividade e imaginação. Estas foram as armas que depois do diagnóstico correcto, soube utilizar com precisão e competência. Por isso, alguém disse que ele era um médico dos automóveis. Com toda a legitimidade, acrescentamos nós.

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