Francisco Ribeiro: O Mestre Ataca de Novo

Arquivos 06 Set 1996

Francisco Ribeiro: O Mestre Ataca de Novo

É fácil: tem 56 anos e começou nestas vidas com 27 ou 28… vidas que se abriram com o Renault Gordini de Alfredo Teixeira e se prolongaram depois com Rui Assis, Cunho Lino, Raul Peixoto. Um dia, o saudoso Rui Cavaleiro trouxe-lhe António Borges, só parou nos anos 80, mas Rui Bevilacqua foi buscá-lo para tratar da saúde ao Lotus Elan, com os resultados que se conhecem – o Mestre ataca de novo!

O acabamento do Lotus azul, nos mais pequenos pormenores é impecável, mas pelos vistos sempre foi assim: “Já antes, nas verificações técnicas, não sabiam se o Opel era de fábrica ou privado, pelo modo como se apresentava” … “limpinho e sem osso”, isto é, sem nada de arames e fita isoladora… José Pedro Borges, Mário Silva, Joaquim Moutinho, Joaquim Santos, Rufino Fontes, Bacelar de Moura… apenas alguns dos pilotos passaram pelos serviços de Francisco Ribeiro. Pilotos e não só: “trabalhei com o João Anjos, fiz dele um director de equipa, que era coisa que não havia por cá. Vinham ter comigo e mandava-os falar com o director”.

Na oficina de Terrugem. Já se está na hora de almoço, quando a conversa continua num misto de modéstia e orgulho, sobre os títulos de campeão na velocidade, nos ralis, nos Iniciados. Recordam-se os tempos em que fez carros de autocross, um célebre motor Pinto para Jorge Pereira, ou o aranhiço que andou sempre na frente no dia de estreia, até aos últimos tempos, com Ricardo Pires. Mas o que aqui nos trouxe foi o Lotus Elan 26R com que Rui Bevilacqua está a dar grandes dores de cabeça aos Porsche RSR nas provas de velocidade: “Foi o primeiro carro a ser feito nesta oficina, neste mesmo canto onde está. Estava previsto para ser feito em dois meses e meio, três meses, mas teve de ser feito em mês e meio, do primeiro parafuso até ao último! Principalmente aos fins de semana, que começavam com um serão na sexta-feira à noite, depois sábado todo o dia, com serão até à meia-noite ou mais, o domingo também era completo e íamos rectificando as situações conforme se ia fazendo”.

Este Elan não tem nada a ver com o outro, verde, estreado no ano passado por Bevilacqu, já que foi todo “desfeito” para se voltar a fazer: “O chassis foi completamente descascado, não ficou um único parafuso. Foi rectificado o poto de chassis, se estava ou não certo, depois foi devidamente limpo e pintado para começar a montar as peças. Os braços de suspensão, montados todos certinhos, com as suspensões aproveitadas, mas ligeiramente alteradas”. O motor veio do preparador inglês Geoff Thompson – por onde passam todos ou quase todos os motores e Lotus Elan que correm pelo mundo. Mas “entregaram-me o motor com carburadores, mas não vinham afinados para este motor – até me assustei quando o pus a trabalhar, a pensar que tinha sido enganado por eles, mas deixei os carburadores como conheço e tenho aprendido ao longo dos anos e ficou um motor mesmo a 100 por cento. Tivemos um ligeiro problema na ignição, mas também foi detectado”.

Adivinhem quantos testes foram feitos até à primeira corrida… “O teste foi sair da oficina, fazer volta e meia ao autódromo e parar, já nos treinos”. Nunca tinha andado antes de ir para o autódromo. “Há medidas para tudo e essas medidas têm de se cumprir, caso contrário teremos de andar horas e horas a acertar os carros – as equipas de fábrica são diferentes, que têm muitas horas para perder de volta dessas situações”. A carroçaria aligeirada, veio de Inglaterra, mas teve de ser adaptada e completada na Terruagem. E mais, “tinha o radiador mais avançado, mas recuei-o e eliminei a ventoinha, que só se usa quando o carro está parado para não aquecer. O radiador de óleo estava recuado e avancei-o, estava quase em cima do radiador de água”.

Sob a tampa da mala há uma bagagem muito especial: o depósito e as bombas de gasolina, bem como o recuperador de óleo do sistema de carter seco. No interior, com tubos e tubagens, o tablier tem os instrumentos necessários a uma boa leitura ou rápidos no toque: conta-rotações e limitador, corta-circuitos, indicadores para a temperatura e pressão do óleo, temperatura de água, interruptor das bombas de gasolina – e por aí fora; o volante de três braços e forrado a vermelho dá um toque imediato ao Lotus “daquele tempo”. 

Em termos de construção, o Elan não deu problemas em especial, muito embora umas dores de cabeça com a montagem do motor e com a ignição tivessem feito aumentar as palpitações – mas nada de grave. “A parte mais difícil foi nivelar o carro o mais possível, para poder andar como está; era incontrolável e mesmo assim ficou um bocado inguiável, inicialmente, mas retifiquei-o e ficou sem problemas.”

Depois de cada prova é feita uma pequena revisão, mas nada de grandes coisas: “Analisamos o motor, se está a funcionar bem; os carburadores, que são vistos sempre, de modo a estarem bem sincronizados; as bóias-outra coisa imprescindível, porque uma pode furar e entra gasolina demais… em Portugal não se pode partir motores nem caixas, que os valores são muito altos; tentamos analisar tudo para que isso não aconteça.”

Muito mais se poderia dizer, porque a hora de almoço já lá vais há muito e a conversa continua, com elementos atuais misturados com histórias antigas, como aquela aposta de Francisco Ribeiro em como ganhava ralis de gravata, sem sujar as mãos-era só mudar pneus… O “Mestre”, como muita gente o conhece, abriu esta oficina (onde se fazem todos os trabalhos em carros, carrinhas e companhia limitada, atuais ou não) há três meses, com um sócio, Rui Cruz, que trata as eletricidades e eletrónicas “por tu” (coisa para se dizer “olha que dois!”) e continua com o seu modo de sempre – para fazer é bem feito e de seguida, com o material todo por ali; desmonta-se, “trata-se da saúde” e volta-se a montar. Os resultados estão à vista.

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