Clássicos • 24 Fev 2022

Clássicos • 30 Abr 1996
O Homem do hispano!
Um dos donos, português, ficou na história como autor do crime de burla ainda hoje único no mundo, estudado mundialmente nas Universidades e por interessados em escândalos financeiros. Na sua atribulada história de como foi ilegalmente (muito) rico, ele foi o “Homem do Hispano”. Depois, na miséria, cumpriu 19 anos de pena prisional.

Alves Reis concebeu em 1924 o crime perfeito, executando a burla das burlas financeiras. Com um contrato forjado, passando por oficial, ludibria a firma londrina impressora das notas portuguesas que passa a utilizar as chapas oficiais do Banco de Portugal numa emissão de notas extra, destinada, segundo o contrato forjado- as notas não eram falsas mas as numerações sim, inventadas por Reis – a circularem em Angola com um carimbo especial, para ajuda à então colónia portuguesa, a braços com uma enorme crise económica.
Reis gostava e fizera muito por Angola anos antes, quando por lá fez negócios e obras de “engenharia”, embora nunca tenha sido engenheiro! Milhares de notas foram entregues a Reis que se dizia e “provava ser” influente com o poder e directores do Banco de Portugal, sendo-lhe inclusivamente concedido e ao seu “gangue” onde constavam dois estrangeiros, uma licença para fundar um banco próprio o que veio a ocorrer com a criação do Banco Angola e Metrópole.

Novas notas de 500 escudos. O “Vasco da Gama” – nunca chegariam a levar o carimbo “Angola” – circulavam aos milhares numa época em que não havia dinheiro e se vivia uma enorme crise financeira e económica em Portugal. Parecia, de repente, haver mais facilidades, mais dinheiro, a vida ressurgia!
Um Alves Reis falido – outrora representante dos automóveis NASH sem grande sucesso – passa num ápice a homem de negócios influente. Com tão “fácil” fortuna nos bolsos, investe largamente comprando de tudo, do bom e do melhor. Onde hoje está o Instituto Britânico em Portugal, outrora Palácio do Menino de Ouro, Reis instala-se com fausto (comprou o enorme edifício e mobilou-o com um custo total de 1500 contos, em 1924) e, nas garagens, há automóveis de grande prestígio.
Dos Hispano-Suiza, teriam sido dois os modelos que chegam a Portugal para Alves Reis. Destes, e não se sabe se um terceiro, encomendado por José Santos Bandeira, sócio no “complot” das notas. Entregues em Paris aos proprietários portugueses nos anos 20, um seria matriculado AA-90-58.
Os modelo “Boulogne”, concebidos para competição, eram exemplares idênticos fabricados em 1922 concorrentes à Coupe Georges-Boillot. Propriedade de Paul Dubonnet ao que se julga, participou na corrida com os números um e cinco, pilotados por Paul Bablot e o próprio Dubonnet. O Hispano número um sai vencedor. Com 6864cc de cilindrada, seis cilindros em linha, 32cv, pesando cerca de 1840 quilos com o chassis #10463, continua percurso e, ainda em 1922, passa a versão de estrada adquirido por Sadi Lecointe, célebre piloto aviador. Em 1925, recebe novo motor de 8,0 litros, coincidente com a data em que Alves Reis o adquire. A carroçaria foi alterada com um “cocktail” concebido na fábrica entre os dois modelos.
Nota-se o rebordo curvo e elevado junto ao volante no lugar do condutor, uma das características que distinguia, em 1922, o modelo de Dubomet daquele de capot rectilíneo usado por Bablot. Como se vê nas imagens, surge agora no carro ex-Bablot.

O magnífico Hispano-Suiza entra em Portugal após o começo do colapso de Reis e do seu “gangue” no início de 1926 – culminaria num processo judicial dos mais famosos na história da Justiça portuguesa e internacional no seguimento dos artigos de “O Século” que levaram à desconfiança no Banco Angola e Metrópole e à descoberta da duplicação de números de série nas notas de 500 escudos. Perde-se-lhe rasto até que, em 1968, é descoberto abandonado numa quinta próxima de Santiago do Cacém. O Hispano-Suiza, com a matrícula AA-90-58, interessa a diversos coleccionadores nacionais acabando nas mãos de um nome conhecido do Norte de Portugal que, no período pós-revolução, o vende a um “dealer” inglês, mas o belo Hispano-Suiza nunca chega a Inglaterra. Fica por França na posse de um dos irmãos Seydoux. Matriculado francês em Paris, restaurado aqui em imagem dos anos 90, vai dia 29 a Leilão pela mão de Me. Hervé Poulain e, se quiser saber como o ir ver até Paris, aqui fica o local, data e endereço dos promotores. Interessante se o grande Hispano que um dia foi de Alves Reis, regressasse a Portugal. Nunca se sabe…
Paris, Palais des Congrès próximo dia 29 de Abril. Leilão de peças magníficas uma Maserati de entre três, modelos A 6 GCS Spyder Fantuzzi que entrou nas Mille Miglia Históricas de 1989, seis Bugatti, das quais duas Type 43, uma roadster com que Trévoux venceu em 1932 o Paris-Nice e uma “Grand Sport” , e três Type 37, 46 e belíssima 57C com carroceria Atalante, três Ferrari, berlinetta 212 EL Ghia datada de 1951 ex-Rei Farouk, Spyder Daytona e 275 GTS entre 25 exemplares de vulvo. Também automobilia, com atenções para preciosa cigarreira desenhada por Jean Bugatti decorada com a sua assinatura. Um leilão de peso como tantos promovidos por todo o mundo, não nos pode passar despercebido. Um Hispano-Suiza de anos 20 faz parte do rol, com um certo “(dis)sabor português” na sua história. Notícias do leilão não dizem mas esta breve história de clássicos conta…
A “vingança” dos clássicos
Depois do escândalo provocado por Lord Brocket no meio dos clássicos em Inglaterra, conforme a triste história que publicámos no primeiro número do jornal relatou, outra coisas e não esperava:
O aristocrata foi julgado, condenado e preso!
Bem se pode dizer que a “vingança” dos clássicos não se fez esperar!
Lord Brocket vai cumprir uma pesada pena prisional pelas “atrocidades” de ter desfeito quatro dos seus fabulosos modelos (que deixariam mais que contente qualquer um de nós, se pudessem ser nossos) Ferrari e Maserati. A moral foi esta, para cada clássico destruído, um tempo na cadeia:
ex-Ferrari 340 América 1952 = 1 Ano e 3meses
ex-Ferrari 250 Europa = 1 Ano e 3 meses
ex-Ferrari 195 Sport = 1 Ano e 3 meses
ex-Maserati Birdcage = 1 Ano e 3 meses
Um total de 5 anos que decerto não esquecerá. Se valeu a pena ter desfeito, tentando iludir seguradoras para pagar as suas dívidas, um leque de carros históricos avaliado em um milhão e cem mil contos! É assim o dinheiro, quando triste… e os clássicos, coitados, que paguem com a “vida” estes desvarios…