Vespa, 50 anos de reinado

Clássicos 03 Abr 1996

Vespa, 50 anos de reinado

Se tem rainha como a abelha, não sabemos. Mas a vespa de que falamos é a outra. Um simpático veículo de duas rodas concebido pelo Piaggio em Abril de 1946. Um “enxame” de dez milhões que no seu carismático “zumbido”, se tornou célebre nos quatro cantos do mundo. Passam agora os 50 Anos e é próprio recordar a sua história. Em Vespa, bem instalados, vamos com a “Rainha” das Scooter!


O princípio, das invenções aos aviões… 


Rinaldo Piaggio, cerca de 1884, era um jovem de pouco mais de 20 anos, genovês, que toma conta da serralharia do pai situada em Sestri Ponente. Instala máquinas a vapor para acelerar produção e embrenha-se em aparelhos navais o que lhe traz, em pouco mais de cinco anos, o monopólio em Itália, conquistando a Europa.  

Vagões de comboio, carroçarias de camiões são o seu passo seguinte. Depois, em 1906, abre a segunda fábrica localizada em Finale Ligure, e, dessa vez, vira-se para as lanchas navais difíceis de ir ao fundo e aviões de combate, porque se estava no limiar da I Grande Mundial e Itália necessitava de se preparar para o conflito. 

Pós-Guerra, abre fábrica em Pontedera onde produz motores para aviação e, por toda a Itália mas não só, é obreiro de bases para hidroaviões em Palermo, Tripoli, Nápoles, Génova ou Barcelona. 

Morre em 1938 e seria a II Guerra Mundial, que estava às portas quando morreu, que despoletaria o apogeu das suas empresas mas que tragicamente lhe arruinaria todo o império, com os bombardeamentos dos aliados às linhas de montagem e estaleiros, sobretudo em Pontedera. 

Curioso como o mesmo conflito foi capaz de arruinar o império dos Piaggio mas, paralelamente, dar a ideia ao filho de Rinaldo, Enrique Piaggio, para o reerguer! O invento, era um pequeno engenho de duas rodas, desmontado e extremamente simples de montar e muito leve, destinado a ser transportado nas mochilas dos paraquedistas italianos para, uma vez estes no solo, os transportar com rapidez às linhas de combate. 

Depois da Guerra, Itália estava devastada. Não havia transportes, o dinheiro era escasso e Piaggio, conversando com Corrino D’ Ascanio, pede-lhe um veículo a motor ligeiro, muito acessível em custo e muita procura. A fórmula resultou! Os sócios Piaggio e Corradino (engenheiro que pela primeira vez na história da aeronáutica consegue fazer suspender um helicóptero parado no ar por cerca de dez minutos) haviam criado um novo transporte de duas rodas, que significava trotinete e a que os ingleses deram nome de “scooter”. De Itália para o mundo e bem depressa, portando bem alto o nome Piaggio, surgiria com primeiro desenho datado de 1945 comercializada desde 1946 aquela que hoje todos reconhecem como a mais pura das scooter mundiais e a que maior fama conquistou, como veremos um pouco por estas linhas…

As primeiras
 
A coisa nova deu brado em Itália e dividiu opiniões. Era um veículo meio estranho e muitos jornalistas não lhe auguraram carreira promissora mas, aos olhos do italiano e face ao descalabro que se vivia nesses dias do imediato pós-guerra, era um meio de transporte bem alternativo ao automóvel que não se conseguia comprar e ao transporte público que nunca chegava para as encomendas.

Desde a sua apresentação no Salão de Turim de 1946, a Vespa, nome escolhido bem de propósito pois não só aludia ao seu característico “zumbido” mas também destacava as formas do insecto, os “balom” fazendo cauda, — estava carismaticamente virada para as portas do sucesso. Mesmo aqueles que a consideraram um tanto “afeminada”, de rodas curtas, não tiveram sorte alguma! A Vespa, por isso e não só, granjeou o aplauso generalizado das “Donnas”  italianas (e todos sabemos o peso da “signora” no reino dos transalpinos) que se podiam deslocar no meio do trânsito sem que se lhes levantassem saias e sem se mancharem de óleos e porcaria subjacentes às motos. De resto, o avental protegia de chuvas, lamas e detritos de estrada. Uma perfeição! E, discretamente sem ocupar espaço, esta prodigiosa duas rodas ainda tinha espaço para o sempre bem vindo pneu sobressalente. Não tinha correia de transmissão (potência motora directamente ao eixo do rodado) as mudanças operavam-se manualmente, pelo punho, junto à embraiagem no lado esquerdo do guiador e a sua carenagem ou carroçaria escondia as peças mais inestéticas do motor. Isso fazia da Vespa um exemplar de rara beleza, de uma beleza com carisma, no seio das duas rodas. 

Raríssimo exemplar de 1954, um APE Ricochó propriedade de Ten. Cel. Gameiro. 



Na Itália do Pós-Guerra, depois no Mundo 

Circulavam por todo o lado nas cidades e nos campos italianos ao virar em cada esquina. A Fábrica de Enrique Piaggio, fazia sair Vespas aos milhares e, como pedra de toque no marketing da casa, Piaggio dava descontos “a propósito” para que lhe adquirissem o seu bem sucedido produto. Depois, para prever o aumento familiar e o aspecto comercial, a Piaggio concebe Vespa com um “side car”, e os Ape (leia-se abelha) com estilo furgon de cabine e três rodas que passam a povoar a paisagem rural, um pouco por toda a parte. A Vespa, de “vento em popa” celebriza-se, torna-se vedeta e surge no cinema como objecto de culto, na posse de grandes actores e actrizes, cosmopolita ao mesmo tempo que utensílio de trabalho, de puro lazer, ou versada para os acontecimentos desportivos e sociais, multiplicando o sempre crescente número de adeptos. De tantas que já eram, as Vespa começam a associar-se em torno dos mesmos ideais.

Nascem os Clube Vespa. Itália, claro, dá o “pontapé de saída” e funda o primeiro Vespa Clube do Mundo, em 1949. Pelos interiores da década de 50, nunca mais se deixaria de ver fundar este tipo de clubes, um após outro. A Vespa é agora senhora do Mundo, senhora das “scooter”. 


Os anos 50

“Férias em Roma”, filme rodado em Itália, transporta dois grandes “monstros sagrados” da sétima arte americana, para o selim de uma Vespa, vedeta omnipresente e heroína do filme para os italianos! Gregory Peck e Audrey Hepburn fazem história nesse ano de 1953 aos comandos dessa scooter no ano em que a duas rodas italianas começava a escalada da sua pujança no mercado mundial. Curiosamente, Hepburn ganha com esse filme o óscar para a melhor actriz.

Como corolário do êxito a Vespa tem honras de ver nascer, ainda em 1953, o órgão máximo que superintende dos já imensos Vespa Clube que se fundam aqui e ali. Nasce a FIV, a Federação Internacional dos Vespa Clubes, o que não pode deixar de revelar a força associativa que emanava do culto pela scooter da Piaggio. O sucesso juntava-se. E não se ficava por aqui. Henry Fonda, Mastroiani, Ursula Andrews, Gary Cooper, Vittorio Gassman, Fangio ou Dean Martin, entre tantos outros, celebrizam este veículo por se sentarem aos comandos e tornam ainda mais célebre a paixão pelas Vespa.

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A Vespa e os anos 60, objecto de culto  

Os anos 60 não fogem à regra Vespa. Em 1968 existem quatro milhões em todo o mundo. Torna se evidente que o culto Vespa alastrou vertiginosamente. Só isso pode explicar que entre 1946 e 1968, tenha sido fabricado tamanho caudal de exemplares, numa duas rodas.

Multiplicam-se as actividades em redor deste engenho que, apesar de ir sofrendo mutações ao longo das décadas, vai mantendo inseparável, a essência e o espírito de “scooter” adjacente à sua carismática condição, que nunca passa de moda. Pode-se dizer que nessa época, ante o fulgor da “invasão japonesa” ao mundo europeu e americano das duas rodas, sobreviveriam, na prática, duas marcas que se foram consolidando até aos dias de hoje. De um lado do Atlântico, no chamado “Novo Mundo”, a colossal Harley-Davidson, no “Velho Continente”, a Piaggio e sua inconfundível Vespa. De facto, dois mitos, dois cultos, bastiões do “motociclismo à antiga” que ninguém foi capaz de abalar… 

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Década de 70, o “limite das antigas” e novas eras 

A Vespa atravessou os anos 70 com a mesma impunidade de sempre, tal como a dupla Piaggio-Corradino a havia concebido décadas atrás. Passaram-se os 80 e hoje, em Plenos anos 90 são as Vespa dos 70 que já surgem (1976 mais exactamente) como “scooter” antigas. 

A Piaggio, no entanto, não para de nos propor novos e mais arrojados modelos, vanguardistas na sua essência de manter vivo um grande nome no mundo das duas rodas. Quem como ela criou o mito Vespa, mantido vivo até dias de hoje volvidos 50 anos, quer continuar a surpreender as gerações do presente e as que vierem no futuro, adivinhando que um dia nos reencontraremos, volvidos outros 50 anos, ao comando de uma sua outra nova “rainha”. Vespa nascida da Piaggio num dia de 1946… assim continuará! 

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Em Portugal  

Mal decorriam alguns anos, poucos, e a Vespa dava entrada em Portugal. Vinha “à conquista” de mais um país, de mais um povo e por cá se radicou, se difundiu, estabeleceu residência fixa. Até hoje… 

Primeiro, importada por Rios de Oliveira, dentro em breve passa a ser representada em Portugal por um “colosso” comercial na época. Meados de anos 50 a Guérin SARL junta o nome da Piaggio ao leque imenso de marcas de automóveis, motos e máquinas agrícolas, suas representadas. Desde essa data, as Vespa têm um “protector” inconfessável: José Silveira Machado. 

Em meados da década de 50, as Vespa chegavam ao milhão de exemplares vendidos e a própria Piaggio concebe um Poster alusivo a esta expansão onde se lê “Mais portugueses preferem a Vespa” e “A scooter de maior venda em Portugal desde 1954”. 

Um mapa de Portugal, decorado de Vespas com diversos habitantes de regiões do país, dava o mote da mensagem. 

Vespa Clube de Lisboa

José Silveira Machado e a Guérin não mais abandonariam a Vespa ao longo de três décadas e meia. Por sua acção, se funda a 14 de Agosto de 1954 o primeiro Vespa Clube do pais, o Vespa Clube de Lisboa. Com sede no Marquês de Pombal, vai conquistando adeptos, associados, após breve passagem por instalações na Av. Almirante Reis, está sediado por volta de 1956 na Av. Infante Santo, ali se mantendo actualmente. É o mais antigo clube de duas rodas em Portugal. 

Promovem-se concursos de elegância gincanas, passeios e o mototurismo (melhor dito, scooterturismo) e as reuniões no clube animam-se. Planeiam-se concentrações Vespa um pouco por toda a parte e promove-se a primeira concentração internacional, no ano de 1954, em Coimbra com a presença do Vespa Clube do Sarre, vindo da Alemanha sob a égide de Carlos Mancellos Ferraz. Ainda em 1954, mês de Julho, uma ida a Santander para participar no Rallye do Mar Cantábrico e, em 1955, o clube participa no Rallye Aix-en-Provence-San Remo entre França e Itália para, a 10 de Junho de 1956, se assistir ao imponente desfile das Vespa do VCL abrindo o Velódromo do Estádio José de Alvalade aquando da inauguração do grandioso estádio do Sporting Club de Portugal. 


EUROVESPA! 

Três anos após a realização em 1954 da primeira reunião internacional Vespa, em Paris, intitulada Eurovespa, a ter lugar anualmente em países diferentes, o Eurovespa de Barcelona teve lugar em 1957, e, pela primeira vez as Vespas de Portugal, do Clube de Lisboa, participaram em conjunto com uma imensidão de “Vespistas” de vários clubes da Europa. Seguiram-se participações nos Eurovespa de 1959 em Paris, o “Eurofleuri”, e ida, em 1960, ao de Roma que coincide com os Jogos Olímpicos. Veio depois o Eurovespa de Madrid, uma monumental demonstração da força Vespa na Europa onde, segundo números publicados no Boletim do Vespa Clube de Espanha de época a que tivemos acesso, um colossal “enxame” de 2500 Vespas, das quais 1500 de Espanha e 1000 de outros países, vindas de todo o continente europeu, convergiram para o coração de Espanha com uma média de quilómetros por Vespa, entre ida a Madrid e volta ao destino, de 2500 quilómetros! 

É um total de quilómetros percorridos por todas as Vespa de 8.250.000 quilómetros, qualquer coisa como o equivalente a 206 voltas ao mundo! Foram estes os primeiros Eurovespa com o VCL-VCP presente. Imponentes, trajando a rigor, o estandarte do Clube bem ao alto, comportamento estradista exemplar, as Vespa Portuguesas continuaram ao longo dos anos a marcar presença internacional, embora nas últimas duas décadas, de forma um pouco mais discreta e sem o fulgor de anos atrás. Nessas épocas, então para representar o país cada vez que se deslocava ao estrangeiro, o VCL colocava faixas nos “aventais” das suas Vespa com Lisboa encimando o bonito nome de Vespa Clube de Portugal. No entanto, o “espírito” dos Eurovespa é o sonho de qualquer “vespista” e de qualquer Vespa Clube… ter honras de organização. Por isso, bom para as nossas Vespa (e não só, por exemplo, o turismo!) correm rumores que lá para 1998 vamos ser “invadidos” pela Europa! Uma “invasão” boa e pacífica, feita aos comandos de… Vespa! E… que venham Vespa antigas! 

1956 – Inauguração do estádio de Alvalade

A representação do VCL no EUROVESPA. Barcelona 1957


A continuidade da Vespa 

Depois, em Portugal, contar histórias Vespa passa sempre pela ida ao Vespa Clube de Lisboa e as suas histórias. Pelas histórias das suas actividades em prole das duas rodas de que mais gostam, como por exemplo quando se faziam corridas de perseguição no Velódromo do Estádio de Alvalade (que loucura eram essas provas, de Vespa… e de automóveis também!) se faziam os Raid “loucos” de Vespa entre Lisboa e o Algarve para bater recordes em 1958 e 1959 quando em 1959 o VCL foi ao Rallye das 20 Províncias, em Espanha, ou quando, em Portugal, no circuito de Monsanto em 1961, realizaram a Prova do Litro com a colaboração da Mobil – tratava-se de saber quem cumpria mais quilómetros no circuito com um litro de combustível quando em 1962, por acção do sócio Alberto dos Santos Ramos se fizeram os 200 quilómetros de Vespa ou, anos mais tarde, em 1969, uma equipa do Clube se deslocou a um encontro a Sevilha e, anos seguintes de 1970 e 1971, se foi às famosas concentrações Volta à Andaluzia, por exemplo e muitas mais que este espaço não consegue conter. 


Equipa recordista do Raid Lisboa-Faro, 1958/59. Rui Noronha, Espírito Santo, Teles em vespa GS


Hoje, expostas nas paredes da Sede do VCL, muitas destas memórias se podem ver com prazer, troféus, emblemas, estandartes e um nunca mais terminar de referências Vespa. Tem actualmente 300 sócios mas, lamenta a actual Direcção, apenas um pouco mais de 150 pagantes. 

É um local de encontro obrigatório para si se gosta de Vespas e não conhece o clube. Todas as Terças e Quintas-feiras pode dar um salto à Infante Santo Nº 63 em Lisboa. De certeza que, como desde os anos 50, vai encontrar imensas Vespa à porta… e animação no interior. 

A vida continua, a Vespa também e com ela o Vespa Clube de Lisboa, enquanto houver Vespa na Estrada. Não falte… dando continuidade à sua “rainha” das Scooter! 

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