LifeStyle • 03 Nov 2019

LifeStyle • 12 Mar 1996
Aprender história, a brincar!
Revelar o mundo das miniaturas e dos brinquedos é a proposta desta secção. Ligar a escala de brincar às viaturas clássicas em dimensão natural tem todo o cabimento pois muitos apaixonados do mundo automóvel e de motos clássicos o são também de modelos miniatura. Promover e revelar os que em Portugal são apaixonados da matéria, assim interessando a adesão de novas gerações, levou o Jornal dos Clássicos a visitar um dos mais belos exemplos de como aprender a história, a brincar. O Museu do Brinquedo de Sintra.
Em Portugal não abundam espaços culturais versados sobre as viaturas históricas antigas ou clássicas. Muito menos dedicados às nossas histórias de infância e juventude, trazendo-nos a memória através de brinquedos.
Nada melhor que revelar, porque são escassos os exemplos, a realidade de um espaço cuja qualidade é reconhecida no país e internacionalmente. Propomos uma visita ao Museu do Brinquedo de Sintra, contando a história e algumas histórias de um local onde, por dentro de deslumbrantes vitrinas, apetece muito brincar com os nossos amigos de infância.
O museu situa-se entre o casario típico da Sintra antiga o que não deixa de lhe criar ambiente. Existe desde 1989, aquando da Fundação Arbués Moreira, fundada em 1987 abarcando a colecção particular de João Arbués Moreira com mais de 20 mil brinquedos, celebra acordo com a Câmara Municipal de Sintra para que a edilidade lhe conceda o espaço onde instalar o museu.

João Arbués Moreira é um homem que conservou o brilho da infância nos olhos, através dos seus imaculados brinquedos.
Em criança, a par de receber muitos brinquedos de um familiar que era “louco” por dar e alegrar a pequenada, desde cedo optou por nunca danificar o que lhe ofereciam. Mantendo tudo impecável sem deixar de brincar, como qualquer criança, foi criando o gosto por guardar qualquer brinquedo que já não interessasse, quer fosse parar aos baús de sótão ou que pura e simplesmente fosse decidido dar a alguém. Assim, a colecção aumentava, com automóveis em miniatura, os famosos Dinky Toys e similares, em maioria.
Por volta dos 20 anos, era já um coleccionador de vulto não deixando um brinquedo ao abandono interessando-se por todos e, a par das ofertas, a paixão pela troca de brinquedos com outros coleccionadores ou particulares, uma constante. Feiras de troca de brinquedos eram coisa rara.
Arbués Moreira conta como se iniciou o espírito, através de um episódio que se foi tornando corrente e que com humor relembrou: “Escolhíamos um restaurante para almoçar, cerca de dez coleccionadores, cada qual levando uma mala ou caixa mantida debaixo da mesa. Ao café, todos retiravam dos volumes uma mão cheia de brinquedos para trocar com os amigos presentes o que, convenhamos, provocava uma onda de riso nosso e de muito espanto, para os clientes e empregados, confrontados com uma feira de trocas espontânea, os brinquedos espalhados pelas mesas. Manteve-se esse espírito de restaurante em restaurante até o número de presentes se tornar “ameaçador” demais para não dar nas vistas.”
“Daqui, após inaugurado em Sintra, o Museu recebe as feiras com cada vez maior número de adeptos, o breve trecho tornando-se impraticável por falta de espaço. O espírito destas feiras de troca é continuado no Museu do Automóvel Antigo de Oeiras, periodicamente, embora não compreenda porquê de ter decaído o interesse de feira em feira, talvez por falta de divulgação ou da localização, que para alguns ainda será um pouco desconhecida.”
Mas a paixão mantém-se. Arbués Moreira recebeu-nos num Museu cheio de visitantes, muitos estrangeiros, onde o seu imenso mundo de fantasia já começa a não dispor de espaço. O escritório está repleto de modelos que já aguardam novas vitrinas e também de brinquedos que hoje podemos ver à venda nas lojas ou nos grandes espaços e que, num futuro distante, também eles serão testemunho dos tempos de hoje. Em 1996, lá para Dezembro, o Museu vai ser um verdadeiro espectáculo! A seu tempo revelaremos este projecto de novo, ambicioso e muito didáctico.
Conversámos muito sobre o brinquedo em Portugal. É um meio de reduzidas proporções face ao que se passa no estrangeiro mas existe uma enorme adesão de interessados, bons coleccionadores e gente muito bem situada dentro do tema. Inexplicável é o “medo” que alguns interessados mostram perante serem expositores em eventos sobre a matéria, reduzindo desta forma o aumento de aderentes que ajudariam a promover o tema, mesmo internacionalmente.
Com mágoa, conversámos sobre o desaparecimento das lojas e de casas que rechearam a nossa infância de alegrias – de muitas crianças em Portugal – e que face a concorrências desleais em preço, fecharam portas para sempre. Biagio Flora ou Quermesse de Paris, por exemplo, para citar apenas dois nomes que nos recordamos muito na baixa lisboeta.
Quanto ao museu as miniaturas automóveis à escala 1/43 em metal ou resina, estão em maioria. Um número impressionante de cerca de 6000 automóveis e motos. Várias escalas incluindo os muito interessantes brinquedos em folha de lata fazem as nossas delícias. Expostas peças das principais ou artesanais marcas mundiais, peças raras e de beleza ímpar ou uma vitrina repleta de brinquedos fabricados em Portugal em diferentes décadas onde existem modelos automóveis clássicos ou comerciais. Num estado de conservação precioso original estes exemplares fazem, por momentos, imaginar que estamos diante aos escaparates do “Bazar Thadeus” ali pela Rua do Ouro de que nos recorda os anos 60 quando em criança pedíamos aos nossos pais que nos comprassem tudo e que mais fosse. Os Dinky, Spot On, Corgy, Mercury, Norev, Quiralu, Tekno, Matchbox. Solido tal como eram, prontos para revivermos o passado. “Olha! lembro-me de ter oferecido ao meu primo Zé quando fez 15 anos, tal e qual e da mesma cor e tudo.”, essas memórias, vitrina a vitrina, que é giro brincar com a nossa história.

Depois, os automóveis de pedal, mais ou menos antigos, alguns construídos pelos próprios fabricantes de automóveis a sério, os automóveis de corda ou eléctricos, eram peças artesanais feitas por uma criança africana – um espanto o que uma criança guineense de 14 anos é capaz de fazer num país de recursos tão precários recorrendo a materiais como o arame – e um mundo em folha de lata, garagens, estações de serviço, edifícios ligados ao automóvel que enchem de saudade porque brincámos com eles. As viaturas de Bombeiros, Policia, ambulâncias e que sabemos mais por entre milhares de brinquedos?

Dinky Toysanos 30 e 40, Meccano Ltd, Inglaterra
Mas, claro, nem só de automóveis ou motas vive o museu. Navios, soldadinhos de chumbo ou de massa, bonecas, comboios, casas de brincar, máquinas a vapor ,mobílias para quarto de bonecas, marionetas e uma perdição de nunca mais acabar de temas próprios para quem da especialidade que não nós.
A meio da conversa, visitámos três automóveis que “tocavam” muito o museu: O modelo mais antigo em metal numa escala precursora de 1/43, datado de 1918, um modelo Ford T com marca de fabricante Tootsie Toy dos Estados Unidos da América copiado mais tarde pela Dinky Toys inglesa quando lança a famosa escala 1/43. Outro modelo, fabricado em Portugal, réplica reduzida de um Jowett Jupiter um outro de Mercedes 190 SL, fabricado nos anos 50 poela SEDIL, com técnica de pasta de papel colada e gessada. Finalmente, uma peça rara e de beleza como brinquedo histórico: Pintado de vermelho, monolugar, um soberbo brinquedo contava-nos ali a sua história: “Foi fabricado pela própria Alfa Romeo para ser oferecido a pessoas ilustres ou clientes, um número escasso de exemplares. Como este, não existem muitos exemplares no mundo, agora quase passados 40 e tal anos”.
Rigoroso em tudo, de muito boa saúde mesmo volvidos tantos anos, não era um Alfa Romeo qualquer, pelo menos para os portugueses. O brinquedo que agora nos repousava em mãos, propriedade do museu, trazia uma inscrição no interior: “Fui oferecido a uma destacada personalidade italiana residente em Portugal, o senhor Alberto Trevisant, pelas mãos do piloto italiano Felice Bonetto que aqui veio disputar o Circuito da Boavista na Cidade do Porto num Alfa Romeo“.
Brinquedo que é história, foi posteriormente oferecido ao ACP do Porto e repousa hoje, muito bem, ao lado de “irmãos” seus, puro e intacto. Histórias feitas a brincar encontram eco junto os leitores, numa visita de miúdos e graúdos ao mundo do sonho e do imaginário cheio de aventuras de infância que Sintra, Património Universal, encerra no coração do seu riquíssimo casario.
Agora já sabe. Seja mais um visitante do Museu do Brinquedo de Sintra, com cerca de 3500 visitantes por mês – pois, neste artigo, não nos foi possível criar espaço para tamanha paixão. Mas, temos a certeza que depois de ver estas imagens, Sintra fica mais perto de si, para voltar a brincar.

Automóvel Citroën a pedais fabrico Citroën, França 1925